Em maio,
o Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território
(MAMAOT), na sua até hoje mais mediática iniciativa em matéria de política
florestal, colocou para apreciação pública uma proposta de alteração
legislativa à regulamentação das ações de arborização e rearborização com
espécies de rápido crescimento. Nestas incluem-se as espécies florestais dos
géneros Eucalyptus, Populus e Acacia, muito embora o
eucalipto (E. globulus) seja a que tem esmagadora expressão em Portugal.
A referida proposta visa essencialmente a alteração ao disposto no Decreto-lei
n.º 175/88, de 17 de maio, para a dispensa de autorização prévia, pelo
Instituto de Conservação da Natureza, das ações de florestação com esta espécie,
particularmente em regiões onde predominam as propriedades em regime de
minifúndio.
Por sua
vez, no mesmo mês, maio de 2012, o grupo Portucel Soporcel fez saber, através
de notícia publicada em jornal diário, fazer depender de 40 mil hectares de
eucaliptal, a sua intenção de criar 15 mil novos postos de trabalho. Muito
embora não tenham sido dadas explicações sobre como concretizaria a criação dos
anunciados empregos, num grupo que emprega atualmente pouco mais de 2 mil colaboradores,
importa avaliar da condição para a concretização deste investimento: os 40 mil
hectares de eucalipto.
Fig. 1 – Título da edição de 15 de maio de 2012
(Jornal I).
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Portugal dispõe já hoje de mais de 800 mil hectares
de plantações de eucalipto, espécie exótica que ocupa quase ¼ da área florestal
nacional, equivalente ao 5.º lugar a nível mundial com a maior área de
eucaliptal, depois da Índia, do Brasil, da China, da Espanha, estando
curiosamente acima da Austrália, país de onde é originária. Só nos últimos 30
anos, a área de eucaliptal em Portugal quase duplicou, a espécie passou a
ocupar mais cerca de 354 mil hectares.
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Todavia, no que respeita à produtividade, os
eucaliptais nacionais registam, desde 1928, um valor médio anual de menos de 10
metros cúbicos por hectare, significativamente abaixo do registado em Espanha,
com condições próximas.
Fig. 2 – Produtividade/países (Florestas e Eucaliptos. Mitos e
Realidades; João Soares, Semapa, 2006).
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Quanto à gestão dos eucaliptais nacionais, de
acordo com os especialistas, tendo por base os dados dos Inventários Florestais
Nacionais, estes apontam para fortes indícios de deficiência ou, mesmo, de
ausência de gestão com algum significado. São notórios os dados que evidenciam
um aumento acentuado de eucaliptais abandonados entre 1992 e 2005. A manutenção
da baixa produtividade média por hectare, antes mencionada, é disso evidência.
Ou seja, apesar do histórico, o MAMAOT parece querer persistir
na aposta em fomentar ainda mais área de eucaliptal (quantidade), ao invés de
apostar em medidas que beneficiem a gestão ativa dos povoamentos de eucalipto, bem
como na relocalização desta espécie para áreas de maior aptidão biológica, tendo
em vista maiores acréscimos na sua produtividade por hectare (qualidade), como
advogam renomeados especialistas florestais nacionais.
Estará a aposta do MAMAOT vinculada à notícia sobre a dependência de 40
mil hectares de eucalipto para a concretização de um investimento industrial
privado?
As relações da indústria com a produção florestal são saudáveis neste
domínio?
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Por um lado, os publicados pelo Instituto Nacional
de Estatística (INE) nas Estatísticas Agrícolas 2011, embora respeitantes à
generalidade das fileiras silvo-industriais, revelam que a balança comercial
portuguesa dos produtos florestais apresentou um saldo fortemente
positivo no período 2006/2011, tendo sido registados sucessivos
excedentes comerciais que evoluíram a um ritmo médio anual de 38%. A melhoria
do saldo comercial foi particularmente acentuada nos últimos dois anos deste
período, quase duplicando entre 2009 e 2010 (+89%), aproximando-se dos 2 mil
milhões de euros em 2011 (+48%, face a 2010). A taxa de cobertura das
importações pelas exportações foi de 191% em 2011, tendo aumentado 69% face ao
ano de 2006. Em relação a 2011, as exportações de produtos florestais
mostraram-se particularmente vigorosas, tendo aumentado 21% face a 2010. Para
esta expansão contribuíram praticamente todas as indústrias do setor,
destacando-se como as principais impulsionadoras a indústria de papel e cartão
e a indústria da cortiça, que representam em conjunto 59% do valor total das
exportações de base florestal. Efetivamente, de acordo com a notícia do Jornal
I, no caso concreto da Portucel, a empresa exporta 95% da sua
produção para 115 países. No total representa cerca de 3% das exportações
portuguesas de bens e quase 1% do Produto Interno Bruto.
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Contrariamente, ainda de acordo com o INE, neste
caso pela análise das Contas Económicas da Silvicultura, dados de 2000 a 2010,
evidencia-se um declínio progressivo da atividade silvícola. No
que respeita ao Valor Acrescentado Bruto (VAB), em 2000 atingiu o valor máximo
da década, tendo terminado em 2010 com um valor real de -19,2%. Ao longo deste
período o VAB decresceu em termos médios anuais, -2,1% e -3,2%, em volume e em
valor respetivamente. No que respeita ao peso relativo do VAB da silvicultura
no VAB nacional, verificou-se uma perda de importância desta atividade na
economia portuguesa: em 2000, o VAB da silvicultura representava 0,8% do VAB
nacional, tendo diminuído para 0,4% em 2010 (em 1990 era de 1,2%).
A produção florestal apresentou, entre 2000 e 2010, uma taxa de variação
média anual de -2,0% em volume e de -2,3% em valor, o que refletiu o efeito da
diminuição dos preços no produtor, diminuição essa que vem de longe (Fig. 3).
No mesmo período os custos intermédios aumentaram 7,1%, tendo o resultado
empresarial líquido decrescido mais de 250 milhões de euros.
Fig. 3 – Evolução dos preços de material lenhoso de pinho e eucalipto
para trituração à porta da fábrica (Instituto de Conservação da Natureza e das
Florestas, ex-AFN, ex-DGRF).
Ou seja, evidencia-se
uma clara relação win-lose neste setor, onde a fileira da pasta
celulósica e do papel está longe de ser exceção. Apesar dos fortíssimos
indícios de concorrência imperfeita, o MAMAOT persiste em ausentar-se do
acompanhamento das relações comerciais no setor, facto prejudicial à lavoura e
que fomenta, voluntariamente ou por abstenção, uma clara sujeição da produção à
poderosa indústria transformadora pesada.
O preço
que o País tem vindo a pagar ao longo das últimas décadas é o crescente
abandono de solos de aptidão agroflorestal por parte dos respetivos
proprietários, apesar das potenciais condições edafoclimáticas para a produção
de bens e de serviços neste domínio. A par com o abandono da atividade agrícola
e pastoril, o País regista hoje entre 1,5 a 2 milhões de hectares de solos
abandonados ou semi-abandonados, ou seja, entre 15 a 20% do seu território
continental.
Ainda:
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Tendo em conta que na proposta de alteração
legislativa do MAMAOT se isenta de autorização prévia as arborizações em área
inferiores a 5 hectares, importa ter presente o impacto que esta medida poderá
ter ao nível do território nacional, ou seja, quais as áreas do território onde
uma liberalização da cultura do eucalipto poderá ter expressão, isto se forem
propagandeadas promessas de rentabilidade acrescida futura aos microprodutores
florestais. Ora, de acordo com dados da Direção Geral dos Impostos (DGCI), o
impacto far-se-á sentir sobretudo nas regiões do Norte, do Centro, em Lisboa e
Vale do Tejo, a norte do rio, e no Algarve, regiões do País onde predominam
largamente os prédios rústicos com dimensões inferiores a 5 hectares.
Fig. 4 - Dimensão média dos prédios rústicos
(Direção Geral dos Impostos).
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Tendo presente o diagnóstico apresentado na
Estratégia Nacional para as Florestas (EFN), evidenciam-se graves problemas na
gestão florestal em minifúndio, sobretudo em propriedades com menos de 20
hectares, onde se perspetiva que se concentrem 75% dos proprietários,
responsáveis pela gestão em 38% da área florestal portuguesa. Nesta área, as
formas de gestão baseiam-se na ausência, ou na resposta a imperativos de
conjuntura, onde parte muito significativa dos proprietários não acompanha a
sua exploração. As florestas portuguesas são detidas em mais de 90% por
proprietários privados.
Ou seja, fica igualmente
claro que o Ministério pretende remover a necessidade de licenciamento
exatamente onde são claros os indícios de uma inadequada gestão florestal, bem
como onde os proprietários têm menor poder negocial face a uma poderosa
indústria transformadora. Por exemplo, não se evidencia, no texto do MAMAOT,
qualquer disposição de incentivo, de simplificação burocrática que seja, para
as áreas florestais sob gestão agrupada (no caso das zonas de intervenção
florestal) ou com gestão certificada, muito embora nestas seja evidente uma
ação pró-ativa por parte dos respetivos proprietários. Será intencional?
Quais
serão as consequências desta massificação cultural, quer no plano social (p.e.,
no emprego em meio rural), quer no ambiental (p.e. na propagação de incêndios, na
proliferação de pragas e doenças, nos solos e na água, na biodiversidade, com
as alterações climáticas e na desertificação)? Alguém estudou?
Paulo Pimenta de Castro
Engenheiro Florestal