No
decurso dos catastróficos incêndios na Califórnia surgiram notícias dando conta
da intervenção de corpos privados de bombeiros, ligados ao sector financeiro,
concretamente a seguradoras. De acordo com as notícias, magnatas contrataram
tais corpos para salvaguardar os seus bens. Colateralmente, alguns vizinhos
beneficiaram desta intervenção. Os demais, menos abastados, viram as suas
residências servirem de pasto para as chamas.
Há uns dias,
num canal
de televisão, o arquitecto paisagista e candidato a piro-especialista
florestal Henrique Pereira dos Santos dava conta que a Liga dos Bombeiros
Portugueses representa os “patrões” dos bombeiros, não os bombeiros. Nada de
novo. Com efeito, os bombeiros voluntários actuam em ligação a associações
humanitárias, os “patrões”, constituídas por associados voluntários que elegem,
entre os seus, corpos dirigentes, também estes voluntários. Não sei se o que
incomoda o arquitecto paisagista e candidato a piro-especialista florestal é o
facto de bombeiros voluntários, dirigentes voluntários e, eventualmente,
associados voluntários terem participado, recentemente, no Terreiro do Paço, em
Lisboa, numa manifestação às portas do Ministério da Administração Interna. Será
voluntariado a mais? Tanto quanto é do domínio público, ninguém lá esteve
involuntariamente. Mas, o acto não foi exclusivo do voluntariado, dos
dirigentes voluntários e dos bombeiros voluntários. Dias depois, na mesma
praça, junto ao mesmo Ministério, teve lugar uma outra manifestação, desta vez
dos bombeiros profissionais (públicos).
Argumentou
ainda o arquitecto paisagista e candidato a piro-especialista florestal que “o
que está em causa é poder e dinheiro, não o socorro às populações”. Bom, o que
nos dizem mover o mundo é o poder e o dinheiro. Até aqui nada de novo. Quanto
ao socorro às populações, da parte dos bombeiros, especificamente dos corpos de
bombeiros voluntários, não tenho razões de queixa. Pelas demonstrações da população,
na sequência de situações de catástrofe, tudo indica que os bombeiros são merecedores
do seu agradecimento. Já quanto à Protecção Civil, a situação é algo distinta. Atrevo-me
a dizer, significativamente distinta. Cada vez menos fiável.
De facto, a recente
manifestação da Liga parece estar relacionada com uma “reforma” governamental
da Protecção Civil. Todas as reformas “mexem” com poder e dinheiro. Há por isso
que ter presente que a dita “reforma” tem por trás uma estrutura de missão.
Essa estrutura é coordenada, por nomeação pelo Primeiro-Ministro, por quem já
teve ligação a corpos de bombeiros privados, através de um agrupamento
complementar de empresas de celulose, bem como desempenhou papel relevante na
negociação de apólices de seguro para fazer face a eventuais situações de
sinistro, por incêndio rural, em plantações industriais de eucalipto.
No que diz
respeito a poder e dinheiro, ao socorro às populações, tudo leva a crer que em
Portugal dispensamos bem os exemplos vindo do outro lado do Atlântico. Dispensamos
ainda mais parcerias público-privadas, designadamente para poder salvaguardar
os nossos bens através de corpos de bombeiros privados, vinculados a empresas,
seja estas ou não do sector financeiro. A justificação de que o Estado não tem
dinheiro para dispor de mais corpos de bombeiros profissionais públicos, também
alegado pelo arquitecto paisagista e candidato a piro-especialista florestal,
pode dar azo a derivas privadas.
O poder e
dinheiro tem muito que se lhe diga.