segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

A Portucel, os seus fornecedores, o governo e a Sociedade: Apreciação do DL 96/2013 no Parlamento.


O notícia do Jornal I de 15/05/2012 é muito curiosa. É referido que um investimento de 2 mil milhões de Euros numa nova unidade fabril, suscetível de criar 15 mil postos de trabalho, está condicionado ao fornecimento de matéria prima nacional, indicando o valor de 40 mil hectares de eucalipto. Os números apontados não serão com certeza da autoria do Jornal, mais parecem vir de um vendedor da banha da cobra.

O investimento é atribuído à Portucel, a matéria prima pretendida virá então de superfícies florestais, constituídas ou a constitui, maioritariamente pertença de milhares de famílias. Seria assim de supor que a empresa estabelece com os seus potenciais fornecedores condições atrativas que permitissem viabilizar um negócio necessariamente win-win, ou providenciasse à aquisição ou ao arrendamento da área necessária para a obtenção, de parte ou do todo, da matéria prima necessária. Todavia, a notícia dá nota do pedido de ajuda da empresa ao governo.

O governo respondeu imediatamente com uma proposta avulsa de alteração legislativa ao regime de arborização e rearborização com espécies de rápido crescimento. O processo culminou com a aprovação, em Conselho de Ministros, do Decreto-Lei n.º 96/2013, ainda em apreciação no Parlamento. Por outras palavras, aquilo que deveria suscitar uma relação de mercado entre fornecedores e um cliente industrial é alargado a toda a Sociedade.

Curiosamente, se o pedido de alteração legislativa fosse suscitada pelas milhares de famílias com superfícies ocupadas por eucalipto, designadamente através das estruturas que as representem, talvez a iniciativa ficasse numa gaveta governamental. Mas, como foi quem foi, a resposta foi imediata.

Importa contudo referir que, o peso da empresa nas exportações ou no PIB é fruto do desempenho e do risco assumidos, cada vez em maior escala, pelos seus fornecedores. Mais, quando o negócio não lhes permite custear uma adequada gestão, mas os empurra para o abandono das suas propriedades, o risco passa a ser assumido pela Sociedade. Convém aqui referir que, os preços da rolaria de eucalipto são, há largos anos, impostos unilateralmente pela empresas industriais aos seus fornecedores, as milhares de famílias atrás referidas.

De notar também que, a empresa que agora reivindica mais área de eucaliptal, está enquadrada num setor que na última década abdicou da "boa" gestão directa de mais de 30 mil hectares com esta espécie exótica, onde assumia os seus encargos, encargos esses de que porventura se quis livrar. Os seus fornecedores gerem mais barato. Cada vez mais barato, tão barato, tão barato que os contribuintes têm sido chamados a intervir.

Importa ainda referir que, a empresa partilha com uma sua concorrente a 5.ª maior área de eucaliptal do mundo. Dispõe assim de mais área para se sustentar do que a área de eucaliptal existente na Austrália, região do mundo de onde a espécie é originária.

Isto tudo para dizer que, a expansão do negócio da empresa deveria sustentar-se em saudáveis relações de mercado, não no aumento do risco de mais encargos para a Sociedade. Mas, o governo tem outro entendimento, prefere proteger oligopólios, com risco de maior declínio para a Lavoura e potenciação de mais encargos futuros para a Sociedade. Sem negócio lenhícola viável não é possível custear uma adequada gestão florestal, os riscos de agravamento da propagação dos incêndios florestais tendem a aumentar consideravelmente. Em todo o caso, se e quando tal for evidente os atuais governantes serão já ex-governantes, todavia os contribuintes cá estarão para liquidar as contas.