Num evento ocorrido em Santarém no passado dia 9, o
secretário de Estado das Florestas identificou os principais problemas das
florestas em Portugal. Mas, serão exatamente os que apontou?
Do que apreendi da intervenção do secretário de Estado, tais
problemas assentam no abandono e na estrutura da propriedade.
Não sendo usual interpelar um membro do Governo em sessões
de abertura e encerramento de eventos, teço aqui alguns comentários sobre a
intervenção presenciada.
Quanto ao abandono. Com certeza o secretário de Estado,
do decurso da sua formação académica, terá sido beneficiado pelos ensinamentos
do Prof. Eugénio de Castro Caldas. Assim, terá percecionado que o abandono, ou
a não gestão, corresponde em si a um modelo de gestão. Modelo esse ajustado às
expetativas de negócio que tais terras podem potenciar aos seus detentores ou
gestores. Sem negócio, não há gestão ativa. Enquanto governante, esperar-se-ía
que atuasse em conformidade, gerando condições para que esse negócio possa
custear uma gestão ativa, profissional e sustentável das superfícies
florestais. Se o vier a conseguir, a Lavoura e os Contribuintes ficar-lhe-ão com
certeza muito gratos.
A aposta na repressão fiscal não garantirá negócio,
apenas contribuirá para o aumento dos custos associados à atividade silvícola e
logo à maior potenciação do abandono. O aumento dos custos tem sido uma
constante no tempo, associada ao declínio progressivo da atividade silvícola. Não
se passa a fazer uma gestão florestal ativa apenas porque o governo o decreta. Tem
de se exigir um pouco mais de empenho aos governantes, se tiverem convicções e competência
para tal, bem entendido.
Quanto à estrutura da propriedade. Para um conhecimento
atual da realidade, não há como fugir ao cadastro, ou ao parcelário florestal,
ou a outro qualquer instrumento que permita ao país identificar e caraterizar convenientemente
os donos de 90% das superfícies florestais em Portugal. Como estamos neste domínio?
Ainda em comissões ou em projetos-piloto?
Já quase há uma década que andamos em projetos-piloto no
cadastro rústico. Pessoalmente, sou radical, ou se faz a nível nacional e de
uma só vez, ou continuaremos a encanar a perna à râ. O “nim” não é e nunca será
solução de problemas. Qual o desempenho do secretário de Estado neste domínio?
O seu antecessor foi muito claro neste domínio, considerando inadmissível que não
exista um cadastro da propriedade rústica, afirmando que ser “um falhanço” se o
mesmo não for concluído na presente legislatura (4 anos). Assegurará, o atual secretário
de Estado, a conclusão atempada do cadastro rústico, ou do parcelário florestal
ou lá o que lhe queiram chamar? A Lavoura e os Contribuintes ficar-lhe-iam gratos.
Ainda no domínio da estrutura da propriedade, importa
referir que é esta a nossa realidade, que a sua alteração no curto prazo é
quase impossível. É esta portanto a base de trabalho para políticos e técnicos.
A forma mais viável de atenuar os efeitos menos positivos desta realidade passa
pela separação entre a posse e a gestão. Como estamos de reforço jurídico, técnico
e financeiro das Zonas de Intervenção Florestal, senhor secretário de Estado? Houve
algum desempenho significativo neste domínio do decurso do seu mandato? Sem que
se reforce a componente comercial deste instrumento ou de algo mais
convincente, jamais se conseguirão resultados significativos.
Importa, senhor secretário de Estado, fazer um upgrade
nas suas formulações. O problema das florestas em Portugal vai para além da
estrutura da propriedade ou do modelo de gestão florestal mais usual nas superfícies
florestais (o designado abandono). Num país com mais de 80% das superfícies
florestais na posse de privados, esmagadoramente de famílias, a ausência de
rentabilidade nessas superfícies é o nosso principal problema.
Os desequilíbrios nos mercados, onde predomina o egoísmo
dos agentes a jusante das florestas, as estratégias industriais extrativistas,
condicionam os negócios nos espaços florestais. O que tem feito o secretário de
Estado neste domínio? Há real intenção de constituir uma plataforma de
acompanhamento dos mercados até final de 2014? Porque não antes? A boa intenção
já peca por tardia, mas ficaremos atentos para ver se esta será efetivamente criada
e qual a sua composição? A composição determinará a seriedade da boa intenção
(das quais o inferno está cheio, como todos sabemos).
No evento o secretário de Estado frisou a disponibilização
de apoios públicos à certificação florestal. Ora ai está uma iniciativa que os
contribuintes não irão agradecer.
O apoio do Estado à prossecução de uma gestão florestal
ativa, profissional e desejavelmente sustentável enquadra-se dentro das suas
obrigações, seja através do apoio à investigação, à regulação dos mercados ou à
extensão florestal (ou rural), desenvolvidas estas no âmbito dos serviços da
Administração Pública, ou por terceiros sob sua supervisão.
Já o apoio por fundos públicos a instrumentos de mercado,
como o é a emissão de certificados por entes privados, já parece um abuso. Efetivamente,
a comprovação, através de um certificado, da prossecução de uma gestão
florestal sustentável, é um ato voluntário, gerador de mais valias nos
mercados, que ultrapassam o cumprimento da legislação do Estado. É uma decisão
do domínio privado, logo deve permanecer entre os agentes privados.
Em todo o caso, atendendo às caraterísticas das superfícies
florestais no domínio público, seria já proveitosa a despesa pública com a certificação
das Matas Nacionais. Não só serviria de exemplo aos privados, como aportaria
retorno vários à Sociedade. Tanto quanto julgo saber, em tempos estiveram já
disponíveis os procedimentos para auditoria. Qual a razão para não se ter avançado
neste domínio? Ter-se-á regredido na gestão das matas públicas nos últimos três
anos?
Neste mesmo evento, o secretário de Estado insurgiu-se contra
quem diz mal das florestas. Pessoalmente não me revejo nesse grupo, considero aliás
que Portugal tem um enorme potencial neste domínio, seja no plano económico,
seja no social e ambiental. Todavia, asseguro a minha presença ativa no grupo
daqueles que fazem frente á incompetência, seja no plano político, seja no técnico,
bem como daqueles que se opõem a uma visão interesseira e de curto prazo na
utilização dos recursos florestais nacionais. Porventura, será isso que nos
separa, senhor secretário de Estado?
Nota final: Quanto á alegação, pelo secretário de Estado
das Florestas, da inovadora forte presença do setor florestal este ano na Feira
Nacional de Agricultura, não lhe reconheço conhecimento histórico suficiente
para tal afirmação. Já o teve mais no passado, envolvendo inclusive o grande
auditório do CNEMA, não apenas a sala Tejo.