terça-feira, 10 de junho de 2014

É urgente fazer um upgrade

Num evento ocorrido em Santarém no passado dia 9, o secretário de Estado das Florestas identificou os principais problemas das florestas em Portugal. Mas, serão exatamente os que apontou?

Do que apreendi da intervenção do secretário de Estado, tais problemas assentam no abandono e na estrutura da propriedade.

Não sendo usual interpelar um membro do Governo em sessões de abertura e encerramento de eventos, teço aqui alguns comentários sobre a intervenção presenciada.

Quanto ao abandono. Com certeza o secretário de Estado, do decurso da sua formação académica, terá sido beneficiado pelos ensinamentos do Prof. Eugénio de Castro Caldas. Assim, terá percecionado que o abandono, ou a não gestão, corresponde em si a um modelo de gestão. Modelo esse ajustado às expetativas de negócio que tais terras podem potenciar aos seus detentores ou gestores. Sem negócio, não há gestão ativa. Enquanto governante, esperar-se-ía que atuasse em conformidade, gerando condições para que esse negócio possa custear uma gestão ativa, profissional e sustentável das superfícies florestais. Se o vier a conseguir, a Lavoura e os Contribuintes ficar-lhe-ão com certeza muito gratos.

A aposta na repressão fiscal não garantirá negócio, apenas contribuirá para o aumento dos custos associados à atividade silvícola e logo à maior potenciação do abandono. O aumento dos custos tem sido uma constante no tempo, associada ao declínio progressivo da atividade silvícola. Não se passa a fazer uma gestão florestal ativa apenas porque o governo o decreta. Tem de se exigir um pouco mais de empenho aos governantes, se tiverem convicções e competência para tal, bem entendido.

Quanto à estrutura da propriedade. Para um conhecimento atual da realidade, não há como fugir ao cadastro, ou ao parcelário florestal, ou a outro qualquer instrumento que permita ao país identificar e caraterizar convenientemente os donos de 90% das superfícies florestais em Portugal. Como estamos neste domínio? Ainda em comissões ou em projetos-piloto?

Já quase há uma década que andamos em projetos-piloto no cadastro rústico. Pessoalmente, sou radical, ou se faz a nível nacional e de uma só vez, ou continuaremos a encanar a perna à râ. O “nim” não é e nunca será solução de problemas. Qual o desempenho do secretário de Estado neste domínio? O seu antecessor foi muito claro neste domínio, considerando inadmissível que não exista um cadastro da propriedade rústica, afirmando que ser “um falhanço” se o mesmo não for concluído na presente legislatura (4 anos). Assegurará, o atual secretário de Estado, a conclusão atempada do cadastro rústico, ou do parcelário florestal ou lá o que lhe queiram chamar? A Lavoura e os Contribuintes ficar-lhe-iam gratos.

Ainda no domínio da estrutura da propriedade, importa referir que é esta a nossa realidade, que a sua alteração no curto prazo é quase impossível. É esta portanto a base de trabalho para políticos e técnicos. A forma mais viável de atenuar os efeitos menos positivos desta realidade passa pela separação entre a posse e a gestão. Como estamos de reforço jurídico, técnico e financeiro das Zonas de Intervenção Florestal, senhor secretário de Estado? Houve algum desempenho significativo neste domínio do decurso do seu mandato? Sem que se reforce a componente comercial deste instrumento ou de algo mais convincente, jamais se conseguirão resultados significativos.

Importa, senhor secretário de Estado, fazer um upgrade nas suas formulações. O problema das florestas em Portugal vai para além da estrutura da propriedade ou do modelo de gestão florestal mais usual nas superfícies florestais (o designado abandono). Num país com mais de 80% das superfícies florestais na posse de privados, esmagadoramente de famílias, a ausência de rentabilidade nessas superfícies é o nosso principal problema.

Os desequilíbrios nos mercados, onde predomina o egoísmo dos agentes a jusante das florestas, as estratégias industriais extrativistas, condicionam os negócios nos espaços florestais. O que tem feito o secretário de Estado neste domínio? Há real intenção de constituir uma plataforma de acompanhamento dos mercados até final de 2014? Porque não antes? A boa intenção já peca por tardia, mas ficaremos atentos para ver se esta será efetivamente criada e qual a sua composição? A composição determinará a seriedade da boa intenção (das quais o inferno está cheio, como todos sabemos).

No evento o secretário de Estado frisou a disponibilização de apoios públicos à certificação florestal. Ora ai está uma iniciativa que os contribuintes não irão agradecer.

O apoio do Estado à prossecução de uma gestão florestal ativa, profissional e desejavelmente sustentável enquadra-se dentro das suas obrigações, seja através do apoio à investigação, à regulação dos mercados ou à extensão florestal (ou rural), desenvolvidas estas no âmbito dos serviços da Administração Pública, ou por terceiros sob sua supervisão.

Já o apoio por fundos públicos a instrumentos de mercado, como o é a emissão de certificados por entes privados, já parece um abuso. Efetivamente, a comprovação, através de um certificado, da prossecução de uma gestão florestal sustentável, é um ato voluntário, gerador de mais valias nos mercados, que ultrapassam o cumprimento da legislação do Estado. É uma decisão do domínio privado, logo deve permanecer entre os agentes privados.

Em todo o caso, atendendo às caraterísticas das superfícies florestais no domínio público, seria já proveitosa a despesa pública com a certificação das Matas Nacionais. Não só serviria de exemplo aos privados, como aportaria retorno vários à Sociedade. Tanto quanto julgo saber, em tempos estiveram já disponíveis os procedimentos para auditoria. Qual a razão para não se ter avançado neste domínio? Ter-se-á regredido na gestão das matas públicas nos últimos três anos?

Neste mesmo evento, o secretário de Estado insurgiu-se contra quem diz mal das florestas. Pessoalmente não me revejo nesse grupo, considero aliás que Portugal tem um enorme potencial neste domínio, seja no plano económico, seja no social e ambiental. Todavia, asseguro a minha presença ativa no grupo daqueles que fazem frente á incompetência, seja no plano político, seja no técnico, bem como daqueles que se opõem a uma visão interesseira e de curto prazo na utilização dos recursos florestais nacionais. Porventura, será isso que nos separa, senhor secretário de Estado?

Nota final: Quanto á alegação, pelo secretário de Estado das Florestas, da inovadora forte presença do setor florestal este ano na Feira Nacional de Agricultura, não lhe reconheço conhecimento histórico suficiente para tal afirmação. Já o teve mais no passado, envolvendo inclusive o grande auditório do CNEMA, não apenas a sala Tejo.