domingo, 28 de agosto de 2016

A estratégia de branqueamento com pilares de palito

Não, os palitos não necessitam de ser de madeira de eucalipto, podem ser de choupo, mas o tema aqui tratado, esse sim é sobre o eucalipto, ou melhor, sobre a mais recente estratégia da indústria papeleira, ou porventura por esta apadrinhada.

Tem passado o discurso, por parte de agentes direta ou indiretamente associados à indústria papeleira de que, dos 850 mil hectares de plantações de eucalipto existentes em Portugal, 150 mil são bem geridos, os que estão sob a sua posse, sendo que o problema associado à má gestão, o que arde, está nos 700 mil que estão na posse de famílias, empresas familiares e comunidades rurais.

Sobre esta estratégia, ou melhor, sobre esta tentativa de branqueamento de responsabilidades empresariais, importa colocar um conjunto de questões. A saber:


Qual a capacidade de autoabastecimento da industria papeleira, que tem por base os tais 150 mil hectares de plantações de eucalipto sob a sua posse? Mais de 10%? Menos de 20%? Na realidade, são altamente carenciados.

Não sendo a indústria papeleira autossuficiente no abastecimento de rolaria de madeira de eucalipto, a quem a adquirem para repor a sua carência? Sim, parte é importado, para exercer controlo sobre os preços da rolaria oriundos da produção nacional. Mas, e a demais? Vem de geração espontânea? Será que, com esta estratégia de maldizer, não estarão a cuspir no prato da sopa?

Quem define o preço da oferta de rolaria de madeira de eucalipto? Existe formação de preço, decorrente de negociações com a tal oferta dos 700 mil hectares? Entre que partes? Quem supervisiona? O Ministério da Economia, o da Agricultura, ambos? Ou o preço é imposto pela procura, pela tal industria que carece dos 700 mil hectares de plantações de eucalipto (até de mais, dizem)? O preço imposto tem em conta os encargos de uma gestão sustentável nos tais 700 mil hectares, ou o pessoal pega nos lucros, compra jeeps e vai de férias para o Algarve, deixando deliberadamente as plantações à sua sorte?

Na partilha do negócio (que a carência impõe) com os tais detentores dos 700 mil hectares de plantações de eucalipto está subjacente um serviço de assistência técnica que permita assegurar adequadas produtividades e um eficiente controlo dos riscos? Pois, parece que as estatísticas não o comprovam. A partilha é afinal de desligamento, aliás assumido pela própria associação que representa a indústria papeleira: “queremos madeira, não queremos terra”. Levam esta estratégia ao infinito. O mundo começa da porta da fábrica para dentro (tirando os tais 150 mil hectares, mas em fase de expressivo emagrecimento).

Mas, afinal, se são tão eficientes na gestão dos 150 mil hectares de plantações de eucalipto sob a sua posse, se apesar deles têm uma forte carência de rolaria de madeira de eucalipto (choram baba e ranho com as importações), se quem os serve é mau, porque não multiplicam os tais 150 mil hectares por 5? Teriam a madeira na quantidade e qualidade pretendida, diminuiriam os riscos para a sociedade, aumentavam o emprego qualificado e seriamos todos bem mais felizes. Ah, diminuiriam as verbas para a distribuição de dividendos. Bom, nem sempre e possível ter o melhor de dois mundos!

Um bocadinho de vergonha não ficaria nada mal! Já agora, se esta estratégia de branqueamento for ideia de algum dos vossos gestores de imagem, despeçam-no. Trará mais problemas do que virtudes.


sábado, 27 de agosto de 2016

A alteração da “lei que liberaliza as plantações de eucalipto” em 10 medidas

As 10 medidas que adiante são expostas configuram uma proposta de alteração ao Decreto-lei n.º 96/2013, de 19 de julho, entre outras designações, também conhecido como “lei que liberaliza as plantações de eucalipto” (cf. pág. 179 do Programado XXI Governo Constitucional).

Seguindo o articulado do diploma em causa, sugerem-se as seguintes medidas:

1. No âmbito e aplicação (Art.º 2.º), criar um ponto relativo à proibição total de ações de arborização com espécies exóticas.

2. Criar como exceção, a possibilidade de arborização com exóticas, desde que autorizadas em Portugal por legislação aplicável, áreas que não constituindo povoamento florestal (ver definição no último Inventário Florestal Nacional), assumam uma densidade máxima igual ou inferior a 100 árvores por hectare e que distem de povoamentos florestais pelo menos 100 metros. Ou seja, uma regra muito fácil de apreender: Ou cem, ou sem.

3. Anular a possibilidade de realizar ações de arborização ou de rearborização através de comunicações prévias (eliminar o Art.º 5.º e tudo o que a ele mencione).

4. Sujeitar todas as ações de arborização, incluindo com espécies autóctones, e de rearborização, com qualquer espécie, a pedido de autorização prévia (Art.º 4.). Este pedido tem de estar sujeito à apresentação de um projeto de investimento, este último com possibilidade de versão simplificada quando respeitante a investimentos em explorações com áreas inferiores às que estão ou venham a ser dispostas conforme o n.º 2 do Art.º 6.º da Lei n.º 33/96, de 17 de agosto.

5. Sujeitar todas as decisões relativas aos pedidos de autorização prévia a um conjunto de critérios, publicamente disponíveis, que reflitam uma análise do enquadramento legal da ação de investimento, bem como uma análise técnica, e, quando tais pedidos respeitem a ações de rearborização com exóticas, autorizadas em Portugal, enquadrem ainda uma análise de rentabilidade, uma análise comercial e, quando a ação de investimento envolva mais de 50 hectares, uma análise social e ambiental.

6. A análise técnica deve ter por base o modelo de silvicultura constante no plano regional de ordenamento florestal (Art.º 5.º da Lei n.º 33/96, de 17 de agosto) correspondente à localização do investimento e, para ações de rearborização com exóticas, autorizadas em Portugal, deve ter ainda por base o histórico da produtividade média por hectare, inviabilizando investimentos que não justifiquem uma produtividade média por hectare igual ou superior a duas vezes o valor médio estimado a nível nacional para a espécie em causa (no caso do eucalipto glóbulos, conforme dados do ICNF, o valor médio nacional é de cerca de 6 m3/ha/ano, pelo que só devem ser autorizados investimentos com esta espécie que atinjam produtividades mínimas de 12 m3/ha/ano).

7. A análise de rentabilidade das ações de rearborização com exóticas deverá ter por base os métodos do valor atual líquido (VAL), a uma taxa de juro justificada, e da taxa interna de rentabilidade (TIR), calculados para o período de todo o ciclo florestal, compreendido entre a ação de rearborização a que respeita o pedido de autorização prévia e a subsequente rearborização, para a mesma ou outra espécie, ou a reconversão do solo (para todos os efeitos, quando aplicável, incluindo os encargos com a remoção de cepos).

8. A análise comercial deverá ter em conta o modelo de funcionamento dos mercados para o bem ou bens em causa, a distância do local do investimento à unidade de transformação industrial, definindo nos critérios de análise um raio máximo de 80 quilómetros, bem como a consideração de, pelo menos, uma variante relativamente ao que é considerado o destino mais provável do bem ou bens de base florestal a produzir.

9. Todos os projetos de investimento, para além de associados a um plano de gestão florestal (Art.º 6.º da Lei n.º 33/96, de 17 de agosto), quando obrigatório no âmbito dos respetivos planos regionais de ordenamento florestal, no qual deverão constar medidas de controlo de risco, quer decorrentes de agentes abióticos e bióticos, quer dos mercados, devem estar a associados a contratos de assessoria técnica, quando o investidor não possua capacidade técnica reconhecida por diploma oficial, seja este contrato estabelecido com organizações de produtores (ficha de associado), ou com empresas especializadas no domínio da engenharia florestal (contrato escrito).

10. Na alteração ao diploma de 2013 deve ser considerada a possibilidade de investimentos de transferência, de áreas de exóticas em regiões de baixa produtividade para outras de produtividade superior, desde que estes respeitem obrigatoriamente a aumento da capacidade de autoabastecimento pelas unidades de transformação de bens de base florestal, seja através da sua concretização em áreas próprias ou a áreas sujeitas a contratos de arrendamento florestal.



NOTA FINAL:

Importa ter em conta que as medidas apresentadas se inserem numa proposta de alteração à “lei que liberaliza a plantação de eucaliptos”, todavia, o Programa do XXI Governo Constitucional da República Portuguesa é taxativo: “travando a expansão da área de eucalipto, designadamente através da Revogação da Lei que liberaliza a plantação de eucaliptos, criando um novo regime jurídico”.

Mas, qual a probabilidade desta medida do Programa do XXI Governo Constitucional (pág. 179) se vir a concretizar? Bom, tendo em conta que o Governo é do Partido Socialista, tendo em conta o histórico do Partido Socialista em matéria de politica florestal, estima-se em nula. Assim se justifica a apresentação desta nossa proposta de alteração ao Decreto-lei n.º 96/2013, de 19 de julho.


segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Sobre o artigo de opinião de João M.A. Soares no Negócios

A análise que se pretende aqui fazer sobre o artigo de opinião, publicado no Jornal de Negócios a 9 de agosto último, da autoria de João M. A. Soares, não é sobre o conteúdo do mesmo, mas relativamente aos que apoiam a tese exposta.

Efetivamente, é de confessar a dúvida sobre onde os mesmos podem ser classificados. Centremo-nos apenas no aspeto mercantil.

- Se no domínio de uma oferta responsável (de rolaria de madeira de eucalipto para pasta e papel), necessariamente sujeita a uma gestão florestal sustentável, seria expetável que assumissem, no mínimo, uma postura de desconfiança face ao alastrar de uma oferta de risco, potenciada pelo Regime Jurídico das Ações de Arborização e Rearborização (RJAAR). Tanto mais que esse alastramento, a breve trecho, irá ter impacto negativo nos preços pagos à oferta (no seu conjunto). Nem mesmo a certificação florestal poderá vir a marcar a diferença. Se a oferta responsável está mais inserida em processos de certificação de grupo, na maioria dos casos exclusivamente suportados pelos aderentes, estes tendem a assistir à certificação da oferta de risco, agora através de processos de certificação regional e cofinanciada por todos nós. Assim, se poderiam manter uma aposta num diferencial de preço, entre os dois tipos de oferta, através da certificação florestal, esta poderá nem vir a existir. Uma coisa é certa, maior oferta, menor preço. Bom, a menos que se aposte no facto de que a oferta de risco, por esse facto, é muito mais suscetível aos incêndios, às pragas e às doenças. Todavia, essa aposta é, em si, de elevado risco; controla o fluxo da oferta, mas tem avultados inconvenientes, muitos deles tendem a recair também sobre a oferta responsável.

- Se no âmbito dos acionistas ou dos funcionários abrangidos pela procura, a sua posição é fácil de entender, maior a oferta, seja ela de que tipo for, maiores possibilidades de perpetuar os preços baixos à oferta, maiores lucros, maiores dividendos, talvez melhores salários.

Uma posição intermédia pode ser suscetível de comentários menos abonatórios. As más línguas podem acusar estes intervenientes de estarem a soldo da procura para garantirem o controlo de ímpetos reivindicativos de preço por parte da oferta. Já se viu muito disso por cá! Os controleiros.

Em todo o caso, existe uma outra posição, mas esta não aprecia nada o texto em causa. A dos que pagam as disfunções existentes entre uma oferta pulverizada, excessivamente desorganizada comercialmente, e uma procura concentrada, desreguladamente concentrada e politicamente protegida. Ou seja, os que veem este negócio suportado, não a dois, mas em três pilares, o da oferta, o da procura e o do bem comum. Este último pilar não suporta mais o ciclo anual de catástrofes estivais, onde, do total do que arde em povoamentos florestais, 50% arde em plantações de eucalipto. Não suporta mais campanhas de desvalorização do território, de empobrecimento e de aumento dos riscos para as populações, sobretudo em meio rural.

Irresponsabilidade, vergonha e crime é manter um pseudo-feudalismo salazarento (de “industriais” protegidos), apesar dos muitos vassalos em sua defesa.

Nota final: Sem querer ferir o ego do autor do artigo de opinião em apreço, importa corrigir o facto de não ter sido ele o “primeiro Secretário de Estado das Florestas de um Governo Constitucional”. Mau serviço do jornal do grupo Cofina na revisão do texto. Reza a história que o primeiro Secretário de Estado das Florestas de um Governo Constitucional foi um docente do Instituto Superior de Agronomia, que deu aliás nome a um dos seus edifícios, o que não acontece com o autor. O facto é facilmente comprovado no portal do Governo, no Arquivo Histórico.