segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Uma reformita para as florestas

O CDS-PP protesta e tem toda a razão! Numa apreciação genérica, a reforma para as florestas anunciada pelo Governo a 27 não passa de um déjà vu com nuances ao nível das vírgulas.

Não é de estranhar, lido o Programa do Governo e as propostas contidas nos Orçamentos do Estado para 2016 e 2017, as expetativas de algo de significativo eram quase nulas.


Mesmo no que poderia suscitar maior divergência entre as medidas anunciadas agora pelo Governo e as que foram propostas e implementadas pelo CDS-PP em 2013, não há diferença de maior. O atual Governo aprovou no seu Programa a revogação da “lei que liberaliza as plantações de eucalipto” e a criação de um novo regime jurídico para as ações de arborização e de rearborização (é assim que lá consta). Ficou-se por uma mera primeira alteração ao decreto-lei de 2013. Não quis ou não foi capaz de criar um novo regime menos penalizador para as espécies autoctones e para o país. Parece ter sido seduzido pelos poderes instituídos.

Em todo o caso, este déjà vu é pior do que o original. O CDS-PP assumiu, mesmo que para inglês ver, a criação de uma plataforma para acompanhamento dos mercados. Esta posibilidade nem consta das medidas, morreu.

Nas medidas propostas, existe maior preocupação com as consequências do que com as causas da desflorestação em Portugal.

Persiste a grande incidência de medidas para o início e meio do ciclo produtivo, ignorando os factores limitadores que se têm vindo a avolumar no seu final.

O banco/bolsa de terras é e será um fiasco. Então, as áreas privadas abandonadas passam para a gestão pública? Mas, e as áreas públicas abandonadas passam para que tipo de gestão, comunitária?

O Ministro da Agricultura quer consensos nesta matéria. Mas, temos tido um amplo consenso desde 1996, com a Lei de Bases da Politica Florestal. Infelizmente, os resultados deste “consenso” estão à vista, sendo que, tem sido em Governos do PS que a lei tem sido mais torpedeada.

Num país de florestas essencialmente privadas continua-se a tentar contornar as pessoas e o rendimento que as possa sustentar condignamente. As anunciadas medidas de política florestal continuam alheias à incapacidade, em mais de 40 anos de Democracia, em estancar o êxodo rural. Mas, será que alguém concebe desenvolvimento florestal sem desenvolvimento rural?

Anunciam-se milhões, como se atirar dinheiro para as florestas resolvesse o seu problema estrutural. Os subsídios, aparentemente, apenas parecem potenciar incêndios. Os subsídios substituem a falta de rendimento, vejam-se os péssimos resultados dos apoios da PAC às florestas em Portugal.

Se a isto chamam grande reforma, parece não passar de uma reformita.


segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Alguns tiques do situacionismo que emergiu nas florestas

 A ordem pelo qual são apresentados é arbitrária.


1.    O teu mau é pior que o meu, ou a troika matos / pinhal bravo / eucaliptal

A base do tique aponta para o risco de incêndio se mostrar menor em eucaliptal do que em pinhal bravo e em matos. Todavia, estão tais dados desagregados por diferentes modelos de gestão florestal?

Como têm sido lidos estes dados? Para os adeptos da TINA (There Is No Alternative), a trilogia parece resolver-se com mais eucaliptal (atenção, não necessariamente melhor), menos pinhal e menos matos ainda. O decalque com a atual estratégia acionista da indústria papeleira parece perfeita, substituam-se os matos e o pinhal por eucaliptal. A base para a verdadeira “campanha do eucalipto”. Mais do que isto só mesmo uma nova “lei das sesmarias” para penalizar quem não aderir à campanha (a do trigo, dos anos trinta do seculo passado terá sido ara vender fatores de produção). Sobre os mercados, a forma como funcionam, o condicionamento do rendimento, logo da gestão e do efeito no risco, nem um palpite.

Felizmente, existem (sempre) alternativas, quer quanto ao uso do solo, quer quanto à gestão das culturas, inclusive dos matos e do pinhal bravo. Curiosamente, o eucaliptal, pelo modelo de gestão dominante, tem vindo a assumir destaque preponderante no que respeita a riscos (70% da área ardida em povoamentos florestais em 2016 corresponde a áreas de plantações de eucalipto).

2.    Há que salvar o emprego

O tique parece assentar no emprego sustentado pela indústria papeleira no seio do sector florestal nacional. Curioso, esta estão muito longe de assumir destaque a este nível.

Sobre o peso no emprego das diferentes fileiras florestais importa questionar: onde estavam muitos daqueles que agora reivindicam a importância desta questão quando, no decurso do declínio do pinhal bravo (e mesmo da subericultura), centenas de milhares de pontos de trabalho foram extintos, sobretudo ao nível da indústria?

Mas que emprego cria a indústria papeleira? Este sector carateriza-se, mais do que outros, pelos investimentos de muitos milhões (com forte componente pública) para consolidar “meia dúzia” de postos de trabalho. Não há por aí melhor? Com certeza que sim!

Exemplos de emprego na produção papeleira? Dois!

Em 2013, a Portucel Soporcel Fine Paper, SA teve um volume de negócios de cerca de 1.270 milhões de euros para um volume de empego de 33 postos de trabalho. O rácio de volume de negócios por posto de trabalho é de 38,5 milhões de euros por trabalhador, ou seja, muito negócio para emprego residual. O mesmo grupo assumiu recentemente um investimento em Cacia de 1,2 milões por postos de trabalho a criar. Bom, com rácios e investimentos deste tipo, para empregar 100 mil desempregados seria necessário um investimento global de 120 mil milhões de euros. Atualmente, o número de desempregados ascende a várias vezes 100 mil pessoas.

Para falar de emprego no sector florestal, a indústria papeleira não é exemplo a seguir.

Em todo o caso, importa recordar. Dos 40 mil hectares de eucaliptal exigidos em 2012, por responsáveis da agora TNC (ex-gPS), para criar 15 mil postos de trabalho, 4 mil hectares já foram criados pelo RJAAR. Onde estão os 1500 postos de trabalho correspondentes? Andaram-nos a gozar?

3.    Deixem os empresários trabalhar

Este tique parece assentar no pressuposto de que os empresários sabem o que estão a fazer e o que possam fazer serve a sociedade. Exemplos do contrário têm sido mais do que muitos e não se ficam apenas pelo sector financeiro.

Se mais à esquerda (a dita radical) se chega a falar de nacionalização das celuloses, mais à direita (mas não em demasia) defende-se a necessidade de intervenção nos mercados. Quer uma situação quer a outra não aparecem ao acaso. Em todo o caso, defende-se uma postura mais reformista, de intervenção nos mercados, seja na escolha das produções, seja na forma como se gerem as mesmas e, necessariamente, ao nível do funcionamento dos mercados a que estão associadas. Os oligopólios têm mais desvantagens do que vantagens para as sociedades.

Por absurdo, das plantações de Cannabis também se pode obter celulose para a produção de papel, talvez mesmo em maior quantidade do que nas plantações de Eucalyptus. Em todo o caso, a ausência de intervenção estatal pode, em ambos os casos, causar sérias preocupações à sociedade.

4.    Nós somos bons, maus são os que nos alimentam

O tique parece partir do pressuposto de que os mencionados 150 mil hectares de plantações de eucalipto na posse da indústria papeleira em Portugal são bem geridos, sendo que os problemas persistem (e agravam-se) nos demais 700 mil hectares de eucaliptal que estão sobretudo na posse de famílias.

Bom, sobre a boa gestão dos 150 mil hectares há que o comprovar (já se lá vai). Sobre a gestão dos demais 700 mil, fora as exceções, a deficiente gestão é regra que predomina.

Mas, no caso em concreto destas últimas plantações, a quem serve a rolaria nelas produzida? Quem adquire esse produto? Em que condições o faz? Como funcionam os mercados, qual o peso das partes, alguém domina e a quem? Ora, neste caso, não há partilha de risco, mas tem de haver partilha de responsabilidades, seja na depreciação do território, seja nos riscos económicos, sociais e ambientais causados. Quem adquire material produzido em situação de risco elevado é conivente com os danos que tal produção possa causar à sociedade.

5.    Os bons exemplos que não o são – a “boa” gestão das papeleiras

Sobre o tique da excelência da “boa” gestão silvoindustrial por parte da indústria papeleira existem variados senãos.

Existem, desde um histórico de suspensão de certificado quanto a uma gestão florestal sustentável, casos controversos de deposição de resíduos industriais em plantações de eucalipto, a persistência nos lugares cimeiros de empresas da indústria papeleira a operar em Portugal a nível de poluição atmosférica e aquática, incluído a poluição de cursos de água internacionais por emissões oriundas de unidades fabris de produção de pasta celulósica.