De novo, reapareceram na Imprensa os anúncios bombásticos
sobre a pretensão governamental em requisitar o desempenho dos beneficiários do
RSI, dos desempregados e, porque não, dos reclusos nas florestas. Seja em ações
de vigilância, na limpeza das matas ou na reflorestação. É a tradicional “gaffe”
pré-estival. Aparece no presente ano, como apareceu em anos anteriores e em
anteriores legislaturas, nada de novo portanto. No léxico político, os
conceitos de “mudar Portugal”, de “este é o momento”, de “mudança”, significam
tanto ou tão pouco como manter o “status quo” da mediocridade.
A ligação dos beneficiários do RSI, dos desempregados, ou
dos reclusos às florestas não passa de demagogia, de populismo, de politiquice.
Em si, não passa de uma medida de operacionalidade irrealizável ou inadequada.
Por um lado, 98% da floresta portuguesa é privada, então
porque não se insere a sua proteção no domínio dos privados, no âmbito de
negócios entre privados, entre a oferta e a procura? Porque têm os cidadãos, a
quem se recorre para a constituição dos fundos de desemprego ou do RSI, de intervir em encargos inerentes a negócios entre privados? Se os negócios
florestais ocorrem em concorrência imperfeita, com domínio permitido
governamentalmente pela procura, porque não intervêm os decisores políticos na regulação
dos mercados?
Será por ser mais fácil fazer anúncios populistas do que
“meter as mãos na massa”? Por exemplo, incentivando a concentração da oferta, a
transmissão das propriedades com superfícies florestais, fomentando relações
“win-win” nos mercados de produtos de base florestal. Relações que permitam
custear uma gestão florestal que, entre outras ações, incorpore a defesa da
floresta contra incêndios. De facto, a maioria não gosta de pagar a uma minoria
que não contribui para as receitas do Estado. Será então intenção dos
governantes criar conflitos sociais, aparecendo aqui as florestas como motivo sazonalmente
disponível?
As operações florestais exigem qualificações apropriadas,
quem as ministra aos desempregados, aos beneficiários do RSI ou aos reclusos? O
IEFP não tem competências neste domínio. A Segurança Social menos ainda. O ICNF
nem pessoal tem para se ocupar condignamente dos outros 2% de floresta pública.
E, para essa, a floresta pública, nós pagamos e bem. Não
é um problema financeiro. Há dinheiro disponível, num fundo público reforçado
de cada vez que abastecemos as nossas viaturas.
Os custos das necessárias formações serão pagos por quem?
Pelos contribuintes? Essa formação terá desempenho prático durante quanto
tempo? Um só ano? Para o ano virão outros? Não será isto despesismo? Se for
para vários anos, porque não empregar varias destas pessoas em equipas
permanentes? Reduzir-se-ia assim o número de desempregados e de beneficiários
do RSI, ganharíamos todos.
Os eventuais beneficiários do RSI e os desempregados a
coletar para intervir nas florestais serão selecionados em meios rurais ou
urbanos? Gente estranha ao meio florestal, especialmente em período de maior
risco, não será desaconselhável?
Por último lado, vamos nós contribuintes, através da
utilização dos beneficiários do RSI, dos desempregados ou dos reclusos em
intervenções nas florestas, fomentar a concorrência desleal, incentivada pelo Estado,
a empresas privadas que se ocupam destas operações e que daí empregam e pagam
os seus impostos? Não se corre o risco, por esta via, do Estado contribuir para
o aumento do número de desempregados, neste caso já com as qualificações necessárias
para intervir nas florestas?
Num plano mais técnico, as limpezas a concretizar serão de
natureza intraespecífica, interespecífica ou mista? Concretizar-se-ão por
métodos manuais, motomanuais, mecânicos, químicos, com gado ou por fogo
controlado?
Com certeza, não se esgotam aqui as questões à demagógica
medida anunciada, outras pertinentes haverá.
Notas finais:
1) Estes anúncios populistas não são exclusivos da presente
governação, a presente não teve foi capacidade/vontade para alterar o “satus
quo”. Outros antes já tinham igualmente evidenciado sintomas de febre
pré-estival.
2) As florestas não se prestam apenas a febres politiqueiras
pré-estivais, preparemo-nos pois para as posteriores febres estivais e
pós-estivais.
3) A febre estival carateriza-se pelo eclipse dos responsáveis
do Ministério da Agricultura, deixando os bombeiros, a proteção civil e as
forças policiais com “a criança nos braços”.
4) A febre pós-estival é, por sua vez, caraterizada pelo
anúncio bombástico de futuros pacotes de legislação repressiva sobre os
proprietários florestais. Gente que migrou ou emigrou, que engrossou no passado
e no presente a catástrofe do êxodo rural, fruto de políticas irresponsáveis de
desenvolvimento rural, ou que permanece no meio, mas com idade avançada, fraca
qualificação empresarial e sem perspetiva de negócios sobre os terrenos de que
dispõem, fruto da incapacidade política em se impor a interesses financeiros
específicos, como o comprova o Decreto-lei n.º 96/2013, de 19 de julho.
5) O frio invernal, por sua vez, aporta sintomatologias de
amnésia política relativamente às florestas. Por exemplo, por onde andam as
ameaças da “gaffe” pos-estival de 2013, protagonizadas publicamente pelo
secretário de Estado das Florestas e do Desenvolvimento Rural. Voltará de novo
no período pós-estival de 2014? O processo de revisão da Estratégia Nacional
para as Florestas, embora com incoerências fatais, foi inicialmente anunciada
para estar concluída em finais de 2013, todavia está em maio, às portas de novo
período estival, apenas e só na fase de auscultação pública. Outro exemplo, o
cadastro rústico, anunciado publicamente como prioridade da presente
legislatura, por onde anda. Ah, foi constituída uma comissão. Mensagem
entendida. Para as calendas, portanto.