sexta-feira, 25 de julho de 2014

A Bolsa de terras esqueléticas

A ministra Assunção Cristas vai colocar a concurso, após o período de férias estivais, a venda ou arrendamento de 12 mil hectares da Bolsa Nacional de Terras.

De acordo com a base de dados disponibilizada pelo Ministério da Agricultura, estavam a 21 de julho disponíveis em bolsa 12.651,61 hectares. Destes, 88,5% são terras sob o domínio público, do Estado e de entidades públicas, e só 11,5% vêm de privados.

Do total da área disponível em Bolsa, apenas 16,3% têm aptidão agrícola. Contam-se 1.653,925 hectares de regadio (13,1% no total, com 40% provenientes do domínio público, 663,64 hectares) e apenas 405,218 hectares de sequeiro (3,2% no total, com 93% provenientes do domínio privado).

A demais área, 10.592,47 hectares, ou seja 83,7% da área disponível na Bolsa Nacional de Terras é considerada de aptidão florestal e silvopastoril. Contam-se 10.500,55 hectares de solos no domínio público (99,1%) e tão só 91,915 hectares no domínio privado.

Quer isto dizer que, se o concurso público vier a revelar uma forte procura por investidores em produções agroalimentares, as suas expetativas, face á oferta disponível em Bolsa, revelar-se-ão uma deceção.

Todavia, se a procura incidir mais em investimentos no domínio da silvopastorícia e da silvicultura, o que não é de prever, os resultados podem igualmente ser dececionantes.

A oferta de solos de aptidão silvopastoril e florestal são, na esmagadora maioria, provenientes de áreas geridas pela empresa de capitais públicos Lazer e Floresta, SA.


Ora, esta empresa tem para alienação, desde meados da década passada, os terrenos rejeitados no processo de privatização da Portucel Soporcel. Hoje em dia, estão assim em Bolsa o refugo do refugo, as propriedades que não foram ainda alienadas, de solos esqueléticos, situados sobretudo nos distritos de Castelo Branco e de Évora, em concelhos fronteiriços.

Que tipos de investimentos podem aqui vingar? Quais os riscos associados? Haverá disponibilidade do Ministério para viabilizar investimentos inovadores? Não são muitas as possibilidades de investimento, serão ainda menos as possibilidade de êxito.


quinta-feira, 24 de julho de 2014

Natural.pt ou como fazer omeletes com os ovos dos outros

Adensa-se a dúvida, temos ministros ou "marketeiros"?

Além da ministra Assunção Cristas, especialista em se autopromover com base nos esforços dos outros, também agora o ministro Moreira da Silva se associa à festa. Vai anunciar a criação de uma marca para os parques naturais, a Natural.pt.


Cria agora o ministro uma marca para fomentar os terrenos daqueles que fizeram chegar aos nossos dias habitats únicos. Aqueles a quem uns eruditos se arvoraram um dia no direito de lhes congelar a gestão do património rústico, com a imposição de servidões ambientais, integrando esse património familiar em parques e reservas naturais. Património privado inserido em regiões rurais que, desde então, têm sido vítimas de acelerado despovoamento e desertificação.

Pensará o ministro que é com marcas e estratégias de resmas de papel que vem repor os estragos feitos em mais de duas décadas de gestão coerciva de terrenos privados?

Fraco, muito fraco. Precisará de se esforçar bastante mais.


quarta-feira, 16 de julho de 2014

Estratégia kamikaze

De início importa mencionar a nossa profunda convicção de que nunca será no combate que a problemática dos incêndios florestais será adequadamente atenuada. O histórico das estatísticas assim o comprova.

A causa da problemática associada aos incêndios está nas florestas, concretamente no uso que delas fazemos (ou não fazemos), na forma como estão organizados os seus detentores e como se comportam os demais agentes nas fileiras silvo-industriais, ou melhor, na forma como funcionam os mercados.

Neste domínio, a que se pode abreviadamente designar por prevenção, a intervenção política ao longo das últimas décadas, com os últimos três anos incluídos, tem sido deprimentemente medíocre.

Todavia, tal facto não obvia a uma análise ao comportamento político também na área do combate aos incêndios florestais. Vejamos aqui especificamente o caso dos meios aéreos.

São históricos os avanços e recuos na utilização de equipamentos militares no combate aos incêndios florestais. O caso dos helicópteros Puma, nos anos mais recentes, é uma triste ilustração. Ora viável, ora inviável, acabou por cair de podre.

Ao longo dos anos, os concursos para aluguer pelo Estado de meios aéreos para combate aos incêndios florestais têm também evidenciado situações caricatas.

Mas, ultimamente a situação resvala para o ridículo.

Por um lado, o ministro Miguel Macedo anuncia a intenção do governo na aquisição de aviões Canadair (já dizia o diplomata americano que, nós por cá gostamos de brinquedos caros).


Por outro, o ministro Aguiar-Branco faz saber das suas “conversas exploratórias” com a Airbus para a adaptação, em projeto a desenvolver em conjunto com a Força Aérea Portuguesa, dos C-295 ao combate aos incêndios florestais.


Estas notícias das boas intenções, tal como vêm a público, mais parecem o corolário de uma estratégia ZERO, a designação dos míticos Mitsubishi A6M, muito usados em operações kamikaze.


terça-feira, 15 de julho de 2014

Certificação florestal: o 3 em 1

O novo Programa de Desenvolvimento Rural (PDR 2020), a vigora entre 2014 e 2020, apresenta um pacote “3 em 1” para os negócios privados da certificação florestal.

Todos nós devemos apostar na viabilidade técnica e comercial de uma gestão florestal que se quer ativa, profissional e sustentável. A Sociedade só ganha.

O governo, pelas obrigações que lhe competem, deveria ser o primeiro a promover as condições necessárias para o salutar funcionamento dos mercados, condições essas que permitam gerar a sustentação económica, a sustentabilidade ambiental e a responsabilidade social na atividade silvícola. Ora, neste domínio, a sua ação tem sido a de proteger negócios financeiros de grupos industriais. O famigerado Decreto-lei n.º 96/2013, de 19 de julho, é disso um exemplo acabado Não lhe importam os desequilíbrios existentes entre a oferta e a procura, importa sim garantir matéria prima suficiente à indústria a preços permanentemente baixos. Os resultados desta estratégia política são bem conhecidos, sobretudo nos períodos estivais. A Sociedade assume os encargos.

Deveria ainda o governo criar os mecanismos que permitam apoiar, no plano técnico e também no comercial, os detentores dos espaços florestais nacionais, sabendo que na sua esmagadora maioria estes são detidos por famílias. Aqui não bastam os apoios financeiros do PDR 2020, há que criar e dar estabilidade (pós-2020) a um serviço de extensão florestal, que ligue a investigação aplicada aos produtores florestais. Obviamente que, no decurso deste apoio técnico e comercial, a produção adquirira maior poder negocial junto da indústria. Isso pode não ser conveniente. Mas, seria conveniente para a Sociedade.

Mais, compete ao governo fiscalizar, em especial no que respeita aos apoios públicos que tem conferido e conferirá ao investimento de privados nas florestas, se os compromissos subsequentes, quanto a uma gestão ativa, profissional e sustentável de tais investimentos, são garantidos ao longo de todo o ciclo produtivo florestal. Ou seja, deveria acompanhar o funcionamento dos mercados, o único meio de garantir, apesar dos apoios públicos às florestas, a obtenção de retorno dos investimentos nelas realizados. Esse acompanhamento, ou mesmo a regulação dos mercados, é inconveniente para os negócios financeiros associados a alguns grupos industriais de base florestal. O histórico daí decorrente evidencia riscos elevadíssimos, facilmente reconhecíveis em cada período estival. A Sociedade assume os encargos.


Todavia, no PDR 2020, parece que o governo quer continuar a beneficiar negócios financeiros de alguma indústria, mais uma vez com o apoio dos contribuintes. Pretende o governo financiar, através de despesa pública, sistemas privados, autorregulados, com vista à obtenção de mais valias nas vendas dos produtos transformados, de preferência sem que essas mais valias se espelhem na produção florestal. Todavia, para não se espelharem na produção, terão de ser os contribuintes a financiar estes sistemas privados.

A certificação florestal assenta em sistemas privados, de adesão voluntária, de comprovação da gestão florestal sustentável. Os sistemas partem do princípio de que os bens e serviços objeto de certificado serão valorizados pelos mercados, em última instância pelos consumidores. O diferencial de preço de um produto ou serviço objeto de certificação, garantindo que no todo ou numa percentagem este é obtido a partir de área florestal sujeita a uma gestão sustentável, deveria ser repercutido ao longo de toda a cadeia produtiva. Ora, com o apoio que o governo vier a conceder á certificação florestal, através do PDR 2020, este princípio é subvertido, chamando os contribuintes a pagá-lo na parte financiada.

Assim, as entidades privadas, associadas aos sistemas de certificação florestal, veem garantido o seu negócio, negócio que se deveria suster apenas pelo funcionamento dos mercados, não pela realização de despesa pública.

No PDR 2020, o governo não financia apenas a certificação florestal (1), nos seus encargos técnicos e administrativos, prioriza investimentos que se enquadrem em áreas certificadas (2) e majora os apoios, através de subsídio não reembolsável. a projetos a concretizar nas mesmas (3). Ou seja, paga parte, prioriza e majora. Estão assim garantidos, pelos contribuintes, os negócios das entidades relacionadas com os sistemas de certificação do FSC (Forest Stewardship Council) e do PEFC (Programme for the Endorsement of Forest Certification). Bom negócio.

Não que se conteste a prioridade a investimentos em áreas certificadas, ou mesmo a majoração de 10%, através de subsídio não reembolsável, no financiamento público a projetos baseados em áreas com certificação florestal, agora financiar um negócio privado, autorregulado, apenas para diminuir custos da indústria, transformado esse custo em benefício financeiro, é que não parece aceitável.

Mas, serão estes sistemas privados, autorregulados, credíveis? Importa averiguar diretamente.


sexta-feira, 11 de julho de 2014

Estado financia eucaliptais

Ao contrário do que muitos poderão pensar, o Estado Português financia investimentos com espécies e rápido crescimento, concretamente com eucalipto.

O PRODER (Programa de Desenvolvimento Rural – Continente) regista o financiamento público em pelo menos 17 mil hectares de eucalipto entre 2007 e 2013. Esta área de intervenção corresponde a cerca de 46% da diminuição da área de eucaliptal sob gestão das empresas da indústria papeleira, ocorrida entre 2002 (de 188.895 ha) e 2007 (para 151.650 ha).

Pressupondo que o desinvestimento em área de eucaliptal por parte das empresas da indústria papeleira se justificou em critérios de natureza financeira (IFRS ou IAS plus), será que o investimento posterior, aprovado para financiamento público pelo PRODER, se terá baseado nesses mesmos critérios? Se não for um investimento financeiramente interessante para a gestão por empresas industriais, com as economias de escala subsequentes, será que os investimentos apoiados por fundos públicos são todos financeiramente rentáveis para a gestão por famílias ou sociedades familiares?


O crescente abandono da gestão de áreas de eucaliptal tem sido mencionado por especialistas. Mesmos não sendo todos especialistas, os portugueses conhecem bem os resultados do abandono da gestão em áreas de floresta.

Importa pois esclarecer se este financiamento público a uma espécie de crescimento rápido, a par do demais financiamento a outras intervenções com as demais espécies florestais, gerará retorno económico, mas também social e ambiental à Sociedade. Ou se, porventura, será gerador de mais focos de problemas para o futuro.

Por outro lado, o financiamento pelo PRODER a intervenções em eucaliptais terá em conta apenas um uso específico (a produção de rolaria para celulose), ou poderá ser destinada a outros mercados (produção de madeira para serrar, ou produção de biomassa para energia)? As potenciais variantes de utilização da madeira de eucalipto foram evidenciadas na análise aos projetos de investimento?

Ou seja, continuará o Estado Português a proteger a colocação de todos os ovos num só cesto (a produção de rolaria para celulose), ou criará oportunidades para outros cestos para a madeira de eucalipto, potenciando assim a concorrência e a melhoria dos preços pagos à produção, com reflexos evidentes no custeio de uma gestão florestal que se exige ativa, profissional e sustentável?


Investimento PRODER?

Uma brochura publicada pela Autoridade de Gestão do PRODER no final de junho, parece ter introduzido um novo conceito, o do “INVESTIMENTO PRODER”. Do que se tratará?

- Tratar-se-á de uma espécie de aplicação financeira proveniente de uma pochete da ministra Assunção Cristas?

- Ou tratar-se-á de um abuso de expressão que exprime tão só a despesa pública no financiamento nacional e comunitário a investimentos privados no domínio do Desenvolvimento Rural?


A capa do documento relembra o estilo dr. Goebbels, dando expressão ao espírito marcadamente propagandístico da apresentação dos resultados, aparentemente atribuíveis ao desempenho da tutela. Convém aqui ter presente que, após a passagem pelo Ministério do dr. Jaime Silva, qualquer posterior “prova de força” político-administrativa aportaria sempre resultados positivos. Todavia, importa ter presente que, a “prova de força” não é a de caráter político-administrativo, mas sim dos riscos assumidos pelos investidores privados e pelos contribuintes que os financiaram.

Num plano genérico, importa quantificar claramente o retorno económico, social e ambiental desta “prova de força” da lavoura e dos contribuintes. Qual a taxa de viabilidade efetiva dos investimentos concretizados com financiamento público. Por exemplo, importa deixar claro, no apoio à instalação de jovens agricultores, quantos desempregados do passado e do presente não se tornaram futuros desempregados com dívidas á banca, ao fisco e à segurança social. Qual o desempenho subsequente das autoridades e parceiros setoriais na garantia de acesso condigno aos mercados das produções e dos serviços resultantes destes investimentos com apoio público.

No plano setorial dos apoios às florestas, os resultados apresentados suscitam a necessidade de esclarecimentos específicos, quer quanto á origem da despesa, quer quanto à viabilidade de longo prazo dos investimentos realizados e da sua correlação com as necessidades da indústria instalada e com as exportações.

O valor apresentado de 600 M€ corresponde a investimento total das intenções de investimento (candidaturas), a investimento total aprovado para financiamento público ou a investimento total efetivamente executado? Nos 600 M€ apontados, qual a componente privada, da lavoura, e qual o montante do financiamento público, dos contribuintes?

Também aqui, agora no plano setorial, qual o retorno económico, social e ambiental expetável desta “prova de esforço” da lavoura e dos contribuintes? Serão expetáveis níveis de retorno similares aos decorrentes de programas similares vigentes no passado? Se assim for estará garantida a sustentabilidade da “indústria” do fogo.

Atendendo às especificidades do setor, quais as garantias de gestão continuada, desejavelmente sustentável, dos investimentos concretizados com apoio público, tendo em conta que quase metade do montante anunciado se destina a regiões do país com mais elevado risco de incêndios florestais?

Tendo presente que uma adequada gestão florestal, ativa, profissional e desejavelmente sustentável, está dependente da rentabilidade assegurada pelas produções que vierem a ser obtidas, tendo presente que 88% do investimento anunciado reporta a proprietários privados e a comunidades rurais, quais as garantias de acesso condigno destes aos mercados, sobretudo no caso das produções lenhosas e suberícolas, tendo em conta as regras vigentes na formação dos preços neste setor?

Atendendo ao peso das produções lenhosas nas exportações de produtos de base florestal, qual o impacto esperado desta “prova de força” na garantia da sustentabilidade futura dos números neste domínio?

Qual a correlação entre os resultados apresentados nesta “prova de força” com as metas estabelecidas pelo Governo na Estratégia Nacional para as Florestas?

De facto, as fotos e os gráficos apresentados na brochura são muito coloridos, mas as dúvidas de que os retornos esperados se venham a expressar apenas em tons de cinzento são enormes.


quinta-feira, 3 de julho de 2014

Colaboremos todos




Colaboremos, pois:


  • Somos todos nós que estaremos em risco.
  • Somos nós que teremos de continuar a assumir os encargos económicos, ambientais e sociais decorrentes desta catástrofe estival.
  • Quem deveria fomentar o equilíbrio nos mercados das madeiras, não o fez. Continua a proteger interesses financeiros de alguns, em detrimento dos florestais, das florestas, das populações rurais e do território.
  • Quem deveria contribuir para uma aposta determinante na gestão florestal, continua a apostar em promover mais área florestal mas sem garantia de gestão futura. 
  • Os que deveriam ter assumido um papel preponderante na prevenção, continuam a vergar-se politicamente aos interesses da "indústria do fogo".
  • Os que politicamente tutelam as florestas costumam eclipsar-se em período estival. Mas voltarão no final deste para anunciar os eternos pacotes legislativos sobre o elo mais fraco, as sistémicas "gaffes" de Verão.