A Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) tem vindo a apresentar
atitudes similares às da Federação Nacional dos Produtores de Trigo (FNPT) dos
anos 30 do passado século. Hoje em dia os corporativismos são distintos, mas os
seus efeitos aparentam algumas semelhanças. Será que a CAP está hoje para a
CELPA, como a FNPT estava para o Estado Novo?
Vamos por partes.
Um primeiro aspeto. Como diria o outro, ainda somos do tempo em que a CAP
negociava com a associação dos papeleiros um preço de referência para a rolaria
de eucalipto à porta da fábrica. Aqui, a história centra-se até meados da
década de 90 do século passado. O acordo até então vigente parecia satisfazer
as três partes envolvidas: a própria CAP, em termos de financiamento das suas
atividades; os papeleiros, no que respeita à regularidade dos fluxos de abastecimento;
e, principalmente, os produtores de rolaria de eucalipto (lenhicultores),
associados ou não nesta confederação, mas que viam o rendimento da sua
atividade remunerada, no mínimo, de acordo com a evolução dos custos de
produção.
A estratégia negocial parecia bastante simples: as partes teriam de cessar
as negociações ambas de cara lavada. O gráfico da evolução do preço da rolaria
de eucalipto é elucidativo quanto aos resultados, no terreno, desta parceria. A
meados da década de 90 houve quem, do lado dos lenhicultores, pretendesse
trazer maior “transparência” às negociações, defendendo a associação da
evolução do preço da rolaria de eucalipto à evolução do preço da pasta
celulósica nos mercados internacionais. Por azar (ou ignorância), essa estratégia,
quando começou a surtir efeitos, coincidiu com a contração (cíclica) deste
último. Desde então, embora o preço da pasta (e do papel) tenham registado subidas
e descidas, o facto é que o preço da rolaria de eucalipto à porta da fábrica
nunca foi o mesmo. O rendimento dos lenhicultores apenas conheceu contrações
desde meados da década de 90.
Um segundo aspeto. Atualmente, não se entende a estratégia da CAP. Pela
lógica comercial (princípio básico), quanto maior a oferta, menor a sua valorização,
sendo que, no caso, a procura define agora unilateralmente o preço. Se o
aumento dessa oferta for de risco, não só o preço tende a não subir, como os
danos colaterais tende a crescer. Do lado da procura, a estratégia parece
evidente: a opção pela quantidade em área adequa-se à garantia de perpetuidade
de preços baixos na oferta (afinal, hoje, ninguém tem coragem para colocar em
causa a estabilidade dos fluxos de abastecimento).
Ainda um outro. Pode ser erro de perceção, quiçá alguma influência do
contato com aquitanos, mas o aumento da oferta, em especial a vinda de
fracassos noutras atividades, não contribui para a melhoria dos interesses de
quem já está estabelecido no mercado. Os preços tendem a decrescer.
Curiosamente, os produtores florestais landeses virão com maus olhos os apoios
à florestação de terras agrícolas. Para eles, quem fracassou no mercado
agroalimentar tenderia a não aportar boas notícias para o negócio silvícola.
Por cá, temos os reconvertidos da construção a aportar à lenhicultura.
Finalmente:
- É intenção deste texto salvaguardar interesses da CAP? Esse não é de todo
problema de quem o escreve!
- Será que é intenção salvaguardar interesses dos lenhicultores? Não o somos,
esse trabalho compete às suas organizações representativas. O desempenho destas
últimas é, de facto, muito questionável. E, não é só no que respeita ao
rendimento decorrente da exploração do eucalipto.
- Será que o interesse se centra em conter os danos colaterais? Pois! De
facto, esses pagamo-los todos. Assim, quer os lenhicultores, quer os
papeleiros, têm de entender que o seu negócio não é só a dois. Pior, as
governações tendem a ser parciais e incapazes de conter os danos colaterais. Quem
paga o rasto deixado por um negócio com elevados danos colaterais tende a imiscuir-se
no mesmo. Parece lógico! Paga, está dentro.
Com efeito, o rasto deixado pelos lenhicultores e papeleiros é hoje muito
significativo, com tendência a agravar-se. Não tem apenas consequências nas
propriedades de quem produz rolaria de eucalipto ou nos parques fabris de quem
cozinha a celulose, tem nos vizinhos que optaram por outras atividades, tem no
Território, tem no Ambiente. Aqui um aparte: o desempenho ambiental da
indústria papeleira está hoje no centro de um retrocesso civilizacional, seja
em emissões poluentes para a atmosfera, seja para o meio aquático (tudo com
certificação ambiental da praxe, evidentemente!). O valor líquido daquilo que
nos remunera, com as exportações, tende a ser, cada vez mais, pífio.
Em suma, no plano dos negócios, a estratégia da CAP incide sobre a melhoria
do rendimento dos lenhicultores, ou na prestação de serviços aos papeleiros? É
que, pela evolução dos preços da rolaria de eucalipto à porta da fábrica, parece
ser mais a segunda do que a primeira. Isto para quem vê de fora, claro!
No plano social, solidariza-se a quem, com os lenhicultores, assume os
custos com os danos colaterais do crescimento de uma oferta de risco, ou antes
pelo contrário? No segundo caso, talvez venha a ser defensável que os
lenhicultores passem a assumir, em exclusividade, os encargos com tais danos,
nas suas propriedades, mas também no Território e no Ambiente.
Uma nota final. Não se veja aqui qualquer defesa da “reforma da floresta”
do Governo, muito pelo contrário! A par do Partido que governa ter um histórico
de ofertar partes significativas de fábricas aos papeleiros (em nome de todos
nós), acabou agora por incumprir o seu próprio Programa, aprovado na Assembleia
da República (mas, o que vale isso?), associando-se à “lei que liberaliza a
plantação de eucalipto” (entre asps é como está escrito no Programa do
Governo). É o chamado social-liberalismo, ou será liberal-socialismo? Talvez
não seja nem um nem outro, o facto é que, para além de deixar os papeleiros a
comandar as hostes (liberalismo), ainda lhes coloca o Orçamento à disposição. É
assim uma espécie de parceria público-privada similar a outras que estamos
acostumados cá pelo burgo.