domingo, 26 de março de 2017

Pataformas, comichões e faz-que-torces

Comichões e faz-que-torces, faz-que-torces e comichões. A arte de encanar a perna à râ. Tem vezes em que as comichões assumem a forma de pato (ou servem para enganar patos), são as chamadas pataformas.

Isto serve aqui para a questão dos mercados de produtos florestais, mas são um vício que se estende a várias vertentes da vida agroflorestal e nacional, como sejam os casos do cadastro rústico, das bolsas que viram bancos de terras, ou da poluição atmosférica e dos recursos hídricos (onde vivenciamos hoje um manifesto retrocesso civilizacional).

O XIX Governo Constitucional criou uma pataforma para acompanhamento das relações nos mercados de bens florestais (a PARF). Do XX Governo não há história. O XXI Governo da República veio agora, por aprovação em Conselho de Ministro, realizado no Dia Internacional da Floresta (aqui os pormenores contam), substituir a pataforma por uma comichão (a CMPF). Como o concretizou num amplo sem senso, não será de estranhar que o XXII Governo converta a comichão numa faz-que-torce. Quem aposta?

E todo isto a propósito da capacidade governativa em enfrentar os lobbies (oligopólios) existentes ao nível da procura de bens de base florestal. Convém não enfrentar os fortes! Sigamos então para bingo… vendemos ovos cobertos de ouro, mas a partir de uma galinha que definha a cada ano que passa. Os governos continuam a insistir em dar primazia às consequências e efeitos, para contornar as causas. Os fortes governam, sem qualquer regulação que se lhes consiga impor. É o liberalismo, meu caro (agora disfarçado de socialismo)!



quinta-feira, 23 de março de 2017

A história da CAP e o eucalipto

A Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) tem vindo a apresentar atitudes similares às da Federação Nacional dos Produtores de Trigo (FNPT) dos anos 30 do passado século. Hoje em dia os corporativismos são distintos, mas os seus efeitos aparentam algumas semelhanças. Será que a CAP está hoje para a CELPA, como a FNPT estava para o Estado Novo?

Vamos por partes.

Um primeiro aspeto. Como diria o outro, ainda somos do tempo em que a CAP negociava com a associação dos papeleiros um preço de referência para a rolaria de eucalipto à porta da fábrica. Aqui, a história centra-se até meados da década de 90 do século passado. O acordo até então vigente parecia satisfazer as três partes envolvidas: a própria CAP, em termos de financiamento das suas atividades; os papeleiros, no que respeita à regularidade dos fluxos de abastecimento; e, principalmente, os produtores de rolaria de eucalipto (lenhicultores), associados ou não nesta confederação, mas que viam o rendimento da sua atividade remunerada, no mínimo, de acordo com a evolução dos custos de produção.

A estratégia negocial parecia bastante simples: as partes teriam de cessar as negociações ambas de cara lavada. O gráfico da evolução do preço da rolaria de eucalipto é elucidativo quanto aos resultados, no terreno, desta parceria. A meados da década de 90 houve quem, do lado dos lenhicultores, pretendesse trazer maior “transparência” às negociações, defendendo a associação da evolução do preço da rolaria de eucalipto à evolução do preço da pasta celulósica nos mercados internacionais. Por azar (ou ignorância), essa estratégia, quando começou a surtir efeitos, coincidiu com a contração (cíclica) deste último. Desde então, embora o preço da pasta (e do papel) tenham registado subidas e descidas, o facto é que o preço da rolaria de eucalipto à porta da fábrica nunca foi o mesmo. O rendimento dos lenhicultores apenas conheceu contrações desde meados da década de 90.

Um segundo aspeto. Atualmente, não se entende a estratégia da CAP. Pela lógica comercial (princípio básico), quanto maior a oferta, menor a sua valorização, sendo que, no caso, a procura define agora unilateralmente o preço. Se o aumento dessa oferta for de risco, não só o preço tende a não subir, como os danos colaterais tende a crescer. Do lado da procura, a estratégia parece evidente: a opção pela quantidade em área adequa-se à garantia de perpetuidade de preços baixos na oferta (afinal, hoje, ninguém tem coragem para colocar em causa a estabilidade dos fluxos de abastecimento).

Ainda um outro. Pode ser erro de perceção, quiçá alguma influência do contato com aquitanos, mas o aumento da oferta, em especial a vinda de fracassos noutras atividades, não contribui para a melhoria dos interesses de quem já está estabelecido no mercado. Os preços tendem a decrescer. Curiosamente, os produtores florestais landeses virão com maus olhos os apoios à florestação de terras agrícolas. Para eles, quem fracassou no mercado agroalimentar tenderia a não aportar boas notícias para o negócio silvícola. Por cá, temos os reconvertidos da construção a aportar à lenhicultura.

Finalmente:
  • É intenção deste texto salvaguardar interesses da CAP? Esse não é de todo problema de quem o escreve!
  • Será que é intenção salvaguardar interesses dos lenhicultores? Não o somos, esse trabalho compete às suas organizações representativas. O desempenho destas últimas é, de facto, muito questionável. E, não é só no que respeita ao rendimento decorrente da exploração do eucalipto.
  • Será que o interesse se centra em conter os danos colaterais? Pois! De facto, esses pagamo-los todos. Assim, quer os lenhicultores, quer os papeleiros, têm de entender que o seu negócio não é só a dois. Pior, as governações tendem a ser parciais e incapazes de conter os danos colaterais. Quem paga o rasto deixado por um negócio com elevados danos colaterais tende a imiscuir-se no mesmo. Parece lógico! Paga, está dentro.

Com efeito, o rasto deixado pelos lenhicultores e papeleiros é hoje muito significativo, com tendência a agravar-se. Não tem apenas consequências nas propriedades de quem produz rolaria de eucalipto ou nos parques fabris de quem cozinha a celulose, tem nos vizinhos que optaram por outras atividades, tem no Território, tem no Ambiente. Aqui um aparte: o desempenho ambiental da indústria papeleira está hoje no centro de um retrocesso civilizacional, seja em emissões poluentes para a atmosfera, seja para o meio aquático (tudo com certificação ambiental da praxe, evidentemente!). O valor líquido daquilo que nos remunera, com as exportações, tende a ser, cada vez mais, pífio.


Em suma, no plano dos negócios, a estratégia da CAP incide sobre a melhoria do rendimento dos lenhicultores, ou na prestação de serviços aos papeleiros? É que, pela evolução dos preços da rolaria de eucalipto à porta da fábrica, parece ser mais a segunda do que a primeira. Isto para quem vê de fora, claro!

No plano social, solidariza-se a quem, com os lenhicultores, assume os custos com os danos colaterais do crescimento de uma oferta de risco, ou antes pelo contrário? No segundo caso, talvez venha a ser defensável que os lenhicultores passem a assumir, em exclusividade, os encargos com tais danos, nas suas propriedades, mas também no Território e no Ambiente.


Uma nota final. Não se veja aqui qualquer defesa da “reforma da floresta” do Governo, muito pelo contrário! A par do Partido que governa ter um histórico de ofertar partes significativas de fábricas aos papeleiros (em nome de todos nós), acabou agora por incumprir o seu próprio Programa, aprovado na Assembleia da República (mas, o que vale isso?), associando-se à “lei que liberaliza a plantação de eucalipto” (entre asps é como está escrito no Programa do Governo). É o chamado social-liberalismo, ou será liberal-socialismo? Talvez não seja nem um nem outro, o facto é que, para além de deixar os papeleiros a comandar as hostes (liberalismo), ainda lhes coloca o Orçamento à disposição. É assim uma espécie de parceria público-privada similar a outras que estamos acostumados cá pelo burgo.

 

segunda-feira, 6 de março de 2017

Estranha forma de… Socialismo!

A relação do atual governo com a indústria papeleira é paradoxal: no programa do governo anuncia-se austero, em operação aparenta ser servil.

Assim:
  • Depois da indústria papeleira ter reduzido, em mais de 30 mil hectares, a área própria de eucaliptal na última década, apostando ainda mais no fornecimento a partir de plantações de risco de terceiros, de baixa e muito baixa produtividade; e,
  • Depois da indústria papeleira ter desmantelado parte significativa dos seus centros de investigação, onde os estudos para a melhoria da produtividade eram centrais,

Eis que o governo põe os cidadãos a compensar essa redução de custos da indústria, com a “oferta” de € 18.000.000 para aumento a produtividade do eucalipto. Mas, essa preocupação não deveria caber ao sector privado? Vai-se dispor do Orçamento para esse efeito (mesmo que se recorra a fundos comunitários, aos contribuintes europeus)?

Não basta a oferenda, por todos nós, de partes significativas de fábricas de pasta e papel, ou a dispensa de cobrança de elevados montantes em impostos? Basta analisar as listas de entidades beneficiárias publicadas pela Autoridade Tributaria e Aduaneira entre 2011 e 2015 (antes de 2011, tais listagens eram mantidas em gavetas ministeriais), para atestar das muitas dezenas de milhões de euros que o Estado prescindiu de cobrar para benefício dos grupos papeleiros.

Será esta prática governativa decorrente da preocupação em garantir fluxos na distribuição de dividendos aos acionistas dos grupos papeleiros?

E, já agora, quanto à poluição, agora produzem-se diplomas legais à vontade dos poluidores? As celuloses ocupam os primeiros lugares dos rankings de poluidores nacionais, seja com emissões para a atmosfera, seja para o meio aquático!

E quanto aos mercados da rolaria de eucalipto, persistirá a lei dos "mais forte"? Vai manter-se o apelo ao crescimento de uma oferta de risco, para manter preços baixos à procura? Vamos continuar a proporcionar futuros verões quentes (e não só verões)?

Estranha forma de… Socialismo!

Tudo isto dá um (triste) fado.