Na sequência dos incêndios florestais, chorar os combatentes caídos
no palco das operações, fazer minutos de silêncio e campanhas de lanços pretos em
sua memória, lançar petições públicas, produzir legislação avulsa, expressar
individual ou coletivamente a nossa revolta, não chega!
Se nada de profundo for concretizado, para o ano é garantido que há
mais! Muito provavelmente mais ainda em anos futuros. Mais mortes, destruição
de bens e de vidas, mais emissões, mais erosão, mais pobreza, mais
despovoamento, mais desertificação, e ainda maior crescimento da indústria do
fogo.
O problema é muito mais profundo e exige maior empenho de todos nós,
como cidadãos, no cumprimento dos nossos deveres de cidadania (abstrair-nos é
compactuar com a situação), enquanto contribuintes, porque andamos a financiar
o que não queremos (voluntária ou involuntariamente financia-se com os nossos impostos a floresta para arder e assim alimentar
a indústria do fogo), na qualidade de decisores políticos, eleitos pelos seus
concidadãos para defender os interesses do Estado e não os de grupos em particular.
Para nos esquivarmos a mexer em profundidade no problema, não
adianta virar a nossa raiva contra as árvores, por mais exóticas, por mais
invasoras que possam ser. O problema está nos homens, nos seus interesses e na
forma como dispõe e gerem as árvores pelo território.
Também não adianta produzir legislação avulsa e coerciva, mais ainda para incidir sobre quem não se conhece (sem cadastro rústico) ou sobre os idosos que ainda vão persistindo no nosso meio rural. Estas só podem ser estratégias de quem não possui capacidade para abordar o essencial, ficando-se pelo acessório.
Também não adianta produzir legislação avulsa e coerciva, mais ainda para incidir sobre quem não se conhece (sem cadastro rústico) ou sobre os idosos que ainda vão persistindo no nosso meio rural. Estas só podem ser estratégias de quem não possui capacidade para abordar o essencial, ficando-se pelo acessório.
A rentabilidade e a sustentabilidade do nosso património florestal
são hoje muito discutíveis:
- A atividade silvícola evidencia desde há anos um declínio progressivo. Os mercados evidenciam sustentar-se em relações comerciais win-loose, onde a perda está do lado da atividade produtiva florestal.
- Em Portugal tem-se investido na produção de bens florestais de baixo valor acrescentado, em material lenhoso para triturar, associado a indústrias sem presença nos meios rurais de onde extraem a matéria prima para a sua atividade.
- Gerir floresta tem custos, encargos que, para uma gestão ativa, não são em muitos casos suportados pela rentabilidade dos atuais negócios florestais, especialmente em regiões de minifúndio, as que mais ardem. A não gestão é uma forma de gestão associada às expectativas de rentabilidade.
- Por outro lado, se os nossos ecossistemas (humanizados) não são geridos, a sustentabilidade dos nossos recursos naturais está em causa.
- Ainda no plano económico, nas florestas, muitos outros negócios sustentáveis estão por explorar, quer na produção de bens de maior valor acrescentado, mas também na prestação de serviços vários, inclusive na prestação de serviços ambientais à Sociedade (p.e., no combate à erosão, ao atenuar os efeitos nefastos das cheias, no sequestro de carbono, estes sim passíveis de subsidiação pelos contribuintes).
O problema dos incêndios florestas em Portugal exige soluções
específicas, com impacto social, na economia, no ambiente, no território, na
sua ocupação, invertendo a tendência negativa constatada nas últimas décadas. O
problema exige uma mudança na tendência migratória, nos nossos próprios hábitos,
mas tendo sempre em vista uma maior qualidade de vida, necessariamente assente
num desenvolvimento rural sustentável.
O atual momento de crise económica, em que temos de repensar a
nossa Sociedade, é o momento ideal para uma mudança de rumo também neste domínio.
A justificativa é simples: arde mais onde há menos pessoas. Arde
menos quando o património natural é protegido e bem gerido pelos seus próprios
detentores: presentes, em visitas assíduas às suas explorações ou quando
delegam essa obrigação de gestão a terceiros com qualificações para tal. Mais
de 90% do património florestal português é pertença de centenas de milhares de
famílias e de várias comunidades rurais (baldios). Neste domínio, a nossa
especificidade é impar a nível mundial, exige por isso soluções específicas
para os nossos problemas, soluções essas que teremos nós próprios de encontrar.
Portugal evidencia internacionalmente, desde há vários anos, uma situação
que envergonha todos os Portugueses. No domínio dos incêndios florestais, só
considerando o sul da Europa, ocupamos o primeiro lugar em proporção de área
ardida face à área florestal. Aqui, não temos nenhum outro pior do que nós, ao qual possamos apontar o dedo para atenuar os nossos próprios erros (como habitualmente
gostamos de fazer). Neste domínio, temos de facto a pior posição no ranking.
Só temos mesmo um caminho. Se queremos efetivamente mudar a situação,
temos de mexer em profundidade no problema. Para isso, há que “mexer” no território
e nas pessoas (a gestão das árvores e dos matos vêm por acréscimo). A
alternativa é derramar mais lágrimas para o ano, mas no caso, serão já “lágrimas
de crocodilo”.