quarta-feira, 30 de outubro de 2013

O conceito de negócio sério.

Haverá com certeza um conjunto de critérios e de indicadores para a classificação da seriedade de um negócio. Haverá critérios mais básicos como o da sua concretização dentro da legalidade. Haverá também critérios mais avançados, associados ao conceito de desenvolvimento sustentável e aos princípios de responsabilidade social.

Neste intervalo, como se classificará um negócio baseado na produção em quantidade, sem preocupações ao nível da qualidade? Sendo sério, sê-lo-á muito ou pouco?

Quando essa abordagem ao negócio o é pela vertente da quantidade, associada a uma postura empresarial extrativista face aos recursos naturais renováveis e ao meio rural, sê-lo-á mais ou menos sério?

Quando um país classificado de economia aberta, exerce proteção sobre certos grupos empresariais, os negócios decorrentes serão mais ou menos respeitáveis?

Não entrando pela abordagem à base exótica do substrato do negócio, a transferência do risco do mesmo para os contribuintes torna esse negócio mais ou menos sério?

Contemplarão os “awards” nacionais e internacionais os critérios mais avançados para a classificação de um negócio? Ou classificarão os mesmos apenas baseados em critérios básicos.

Os grandes negócios industriais de base florestal em Portugal, podendo ser sérios, sê-lo-ão muito ou pouco? Dependerá com certeza dos critérios e indicadores a que cada um de nós recorra.

Na atual fase da vida nacional, importante é que os mesmos não gerem encargos para os contribuintes.

Incêndios florestais: encargos para os contribuintes estimados entre 800 a 1.000 milhões de Euros/ano.

De encargos já estamos soterrados para os anos vindouros.

Ou os negócios geram retorno à economia, bem-estar às populações e asseguram a sustentabilidade dos ecossistemas, ou é melhor que imigrem. Com certeza, outros mais sérios virão.


quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Auxílios de Estado ao sector papeleiro.

Não são apenas os apoios da PAC a financiar (pelo menos na aparência, já que parte significativa serve para gerar incêndios) os sectores silvo-industriais nacionais, com excepção do papeleiro.

Para o sector papeleiro, associado à cultura do eucalipto, não existem apoios à produção. A esta apenas são "permitidas", pelo Estado, imposições unilaterais de preços pela indústria. Contudo, existem sim fortes auxílios públicos à componente industrial.

"De acordo com o "Jornal de Negócios", que cita uma fonte governamental, a papeleira vai beneficiar de um pacote de incentivos fiscais e financeiros que ronda os 175 milhões de euros, cerca de 20 por cento do investimento global."



Para que não restem dúvidas sobre a política florestal portuguesa:

"A empresa "vai ainda beneficiar de uma nova política florestal", que está a ser preparada de acordo com as pretensões do patrão da Portucel, no que respeita à prevenção de incêndios e plantação de eucaliptos em terrenos baldios."

Ao contrário do que se possa pensar, existe forte coerência do Estado neste domínio:

Mudam os governos, mantém-se a consistência da política florestal em Portugal.

Fonte: Público, Economia, 23/02/2006

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Política florestal – interesses e estratégias.

Portugal é um país de estratégias caricatas. Em tempo de crise económica e de carência de apoio externo, o país vê-se na contingência de reforçar as suas exportações, as de produtos de base florestal incluídas. Todavia, no que às exportações de produtos de base florestal respeita a estratégia seguida é obtusa.

Pela análise das estatísticas oficiais, as exportações de produtos de base florestal têm efetivamente crescido em valor bruto. Todavia, este crescimento em valor bruto poderá não corresponder necessariamente a um saldo positivo em termos de valor líquido.

Neste último, deve atender-se ao declínio progressivo do rendimento empresarial líquido na silvicultura, à depreciação dos recursos naturais, com relevo para a decorrente dos incêndios florestais, estes últimos também uma consequência de um problema de mercado no que à sua propagação respeita, e à consequente desvalorização económica, social e ambiental do Território.

Deve atender-se igualmente à preferência pelas importações face à valorização do mercado interno, sobretudo nos produtos lenhosos. Valorização que se deveria basear em parcerias estratégicas entre a produção e a indústria.

Face à imperiosa necessidade de reforçar as exportações a curto e médio prazo, no caso concreto dos produtos de base florestal, mais especificamente nos de base lenhosa, faria sentido que o governo privilegia-se os povoamentos florestais em fase final ou intermédia do seu ciclo produtivo, ou seja, os que estão em condições de mais rapidamente fornecer matéria-prima à indústria. Verifica-se contudo que, a estratégia do governo neste domínio se consubstancia no reforço das verbas de combate aos incêndios florestais, não na sua prevenção (leia-se a prevenção baseada no desenvolvimento rural e na regulação de mercados, ou seja, nas pessoas e no negócio sustentado e sustentável).

Em contrapartida, a aposta do governo evidencia-se no fomento da florestação. Fomento esse desprovido de medidas acessórias e fundamentais de reforço do apoio técnico e comercial à gestão florestal. Isto para além de essenciais medidas de acompanhamento dos mercados, muito concentrados e com fortes evidências de concorrência imperfeita.

Eis que surge assim o Decreto-Lei n.º 96/2013, de 19 de julho, que entrará em vigor esta semana.

Esta aberração politica, para além de poder contribuir para o fomento dos incêndios florestais, não assegurada que está a gestão futura dos novos povoamentos, parece inserir-se num contexto de servilismo de Estado a interesses feudais.

Regista-se, a propósito, a coincidência temporal entre o início da discussão pública do diploma legal e a manifestação, igualmente pública, de vontades (não desmentida) da Portucel Soporcel, com exigência de mais disponibilidade (que não qualidade) de madeira de eucalipto.


Fonte: Jornal I, edição de 15 de maio de 2012.

Madeira essa que pretende obter estrategicamente de terceiros, de centenas de milhares de famílias, mas a quem impõe os preços de compra e os principais riscos deste negócio silvo-industrial.

É um facto estatístico que a indústria papeleira têm reduzido substancialmente as áreas próprias de produção de eucalipto, reduzindo custos pela transferência dos riscos. A sua capacidade de autoabastecimento tem diminuído drasticamente.

Fonte: CELPA, 2012 - Boletim Estatístico 2011.

Possuindo Portugal a 5.ª maior área de eucalipto do mundo, a aposta em quantidade sem garantias de gestão florestal não augura bons resultados aos cidadãos e aos contribuintes em particular, já que são estes que suportam os elevados custos económicos, sociais e ambientais dos incêndios florestais.

O protecionismo de Estado a interesses industriais, no caso concreto do eucalipto para pasta celulósica, pode igualmente avaliar-se pela não aposta dos governos em fomentar alternativas ao uso da madeira desta essência florestal.

A produção de madeira de eucalipto para serração é já hoje uma realidade aqui bem próxima, seja para a construção civil, seja para mobiliário. Esta aposta poderia reduzir os custos com as importações de madeira pela indústria de serração.

Por outro lado, não se vê sinal de fomento (sustentável) da produção de biomassa dedicada, com base no eucalipto, designadamente com vista à redução das importações de combustíveis fósseis. Ou mesmo para garantir a sustentabilidade de outras fileiras industriais (p.e., de pellets energéticas). Neste último domínio, por vontade própria, o Estado desperdiça a oportunidade de utilizar verbas das ajudas diretas (1.º pilar) da Política Agrícola Comum, ao contrário do que acontece, por exemplo, em França (Taillis à Curte Rotation).

Mas, será este protecionismo caraterístico da Situação? Nem por sombras, na Oposição é possível constatar, num programa eleitoral de 2011, a aposta “na floresta irrigada em zonas de regadio subaproveitadas, para a garantia do aumento da matéria-prima para a indústria da madeira e da pasta de papel”. Curiosamente, evidencia-se constantemente a aposta na quantidade. Já no que à qualidade diz respeito, constata-se que a produtividade média nacional remonta a valores anteriormente registados, em 1928.

Do lado das organizações de proprietários florestais apoiantes desta estratégia governamental de fomento florestal, concretamente as atuantes em regiões de minifúndio, seria interessante disponibilizarem, para defesa dos interesses dos seus associados, as “folhas de cultura” para o eucalipto, onde ficasse demonstrado a rentabilidade do negócio em unidades de gestão inferiores a 5 hectares, por exemplo. Generosamente, até se pode duplicar a área para os 10 hectares. Isto, claro está, assegurando uma adequada gestão florestal ao longo da revolução (para as várias rotações), o que não passa apenas pela aplicação de princípios técnicos florestais, mas também de métodos comerciais. Concretamente, que incorpore, no extremo inferior, uma adequada instalação, as operações silvícolas mínimas definidas legalmente, bem como a remoção final de cepos e uma estratégia comercial de escoamento das produções. Assim sim, suportam seriamente a sua aposta.

sábado, 12 de outubro de 2013

O azedume inconveniente.

De há muitos anos que considerei uma virtude pessoal, muito acima da média, a facilidade com que João A. M. Soares conseguia traçar uma bissetriz entre posições aparentemente opostas sentadas à volta de uma mesa. Tive o privilégio de assistir a alguns desses momentos.

Todavia, as últimas intervenções têm-me dececionado. Um recente comentário quase arrasou esta minha admiração. È certo que nem todo o vinho tem o comportamento atribuído ao Vinho do Porto, algum dele azeda com o tempo. Pode também tratar-se de um dia mau, fica a dúvida.

Em todo o caso, no que a esse comentário respeita, o Heinrich Himmler não passou de um carniceiro, um interesseiro cão de fila. Já o dr. Joseph Goebbels, esse sim, teve a capacidade de instrumentalizar as populaças, com uma metodologia que influenciou outros regimes de vontades próprias, de quadrantes políticos aparentemente tão díspares como o estalinismo e o salazarismo.

Mas, o que é importante de facto é que o setor florestal português é um verdadeiro tigre com pés de barro, onde parecem imperar algumas vontades próprias, além do mais protegidas por quem deveria zelar pelo interesse comum.

Sendo aparentemente certo que a indústria papeleira contribui para o reforço do valor bruto das exportações nacionais, a questão é por quanto tempo isso irá durar, já que o consegue à custa do esmagamento de outros agentes económicos, sobretudo sobre aqueles que fornecem a matéria prima básica á sua existência.


Ao invés de uma estratégia de partilha (e não me refiro a uns apoiozinhos a associações de proprietários florestais - muito tecnocratas e nada comerciais), a principal empresa da setor industrial papeleiro investe, desde pelo menos à uma década, numa política egoísta, de reforço das importações e do abstencionismo na gestão florestal.

Infelizmente, a indústria papeleira aposta em matar a galinha dos ovos de ouro. No futuro, ou reajusta a sua estratégia, ou se deslocaliza ou definha. Por outro lado, as populações sempre podem migrar (como aliás tem acontecido), mas o Território não se deslocaliza.


sexta-feira, 4 de outubro de 2013

A teoria da motosserra.


(versão AIFF - Associação para a Competitividade da Indústria da Fileira Florestal):


Lê-se no jornal Público, a 02/10/2013:

"A AIFF refere que as florestas correctamente geridas são sumidouros de carbono mais eficientes do que as florestas em estado selvagem, pois as árvores jovens absorvem mais dióxido de carbono que as maduras que, ao morrerem e apodrecerem devolvem aquele gás à atmosfera.

"Ao retirar as árvores maduras antes que morram, assegurando a sua replantação, a floresta mantém elevados níveis de sequestro e armazenamento de dióxido de carbono", acrescenta a associação."

Não se entende esta iniciativa da AIFF:

1. Será de promoção dos produtos renováveis face aos de origem fóssil?; ou,

2. Será o da apologia da florestas cultivas face às florestas naturais?

Em todo o caso, as florestas cultivas portuguesas são bem geridas? Hummm...



É certo que no artigo não é feita referência à fileira da pasta e do papel. É uma falta imperdoável. Na apologia da "teoria da motosserra", o eucalipto é substancialmente mais eficiente do que o pinheiro ou o sobreiro.

Fonte: