A auscultação em curso da atualização da Estratégia
Nacional para as Florestas /ENF), iniciativa do Instituto de Conservação da
Natureza e das Florestas (ICNF), a decorrer até ao próximo dia 30, levou-me a
revisitar momentos de uma comédia com resultados trágicos.
A ENF, inicialmente aprovada em Resolução do Conselho de
Ministros a 15 de setembro de 2006, parece ter resultado do esforço académico e
de técnicos altamente qualificados, que com toda a certeza deram o seu melhor,
consumiram largas horas de trabalho árduo e empenhado, todavia totalmente
desenraizado da realidade florestal nacional.
Nem mesmo a oportunidade de o revisitar, criado sob os
auspícios da ministra Assunção Cristas, dita mais próxima da Lavoura e dos
Contribuintes, conseguiu corrigir este fatal erro de enquadramento, pelo
contrário. Aos priorizados agentes, os abióticos e os bióticos, e às
mitigações, juntou-se a resiliência e outros palavrões.
Ao aproximar-me dos objetivos enunciados, mais em
concreto dos indicadores de resultados e das metas, pensei ter aterrado no País
da Alice. Quando segui linha para a definição das responsabilidades, entendi:
uff, isto não é para levar a sério. A maior parte das responsabilidades são
atribuídas a entidades tuteladas pelo Ministério da Agricultura (uma mistura
explosiva de ICN+F e GPP, puro TNT de ineficácia).
Nesta minha análise, parto do princípio de que estamos
perante uma Estratégia definida para um país com 98% das suas superfícies
florestais sob regime não público. Onde a esmagadora maioria dessas superfícies
são detidas por centenas de milhares de famílias, que pressuponho, devem
enquadrar uma parcela determinante do público alvo desta iniciativa
legislativa, ou não? Porventura, estarei errado.
Na componente cómica, vi-me numa sessão de esclarecimento
sobre a ENF em, Curral de Moinas. Sala cheia de agricultores e proprietários
florestais, todos a querer saber quanto vão render os “calitres” que os homens
das celuloses lhes disseram que eram coisa rentável. Todavia, a minha missão seria
divulgar a Estratégia, ou trocando em miúdos, vulgarizar os agentes, as
mitigações e a resiliência. Bom, o resultado parece-me o óbvio, diriam: “o
homem de Lisboa está tolinho, internai-o logo antes que se pegue”.
Na componente trágica, este tipo de documento, como o seu
antecessor Plano de Desenvolvimento Sustentável da Floresta Portuguesa (PDSFP),
também aprovado por Resolução de Conselho de Ministro, em novembro de 1998, só
nos engana. Não serve para nada, não contem a desflorestação, a perda de peso
económico das florestas, a perda de vitalidade dos ecossistemas nacionais, não
gera riqueza, muito menos segurança às populações rurais.
Diga-se contudo e a bem da verdade, que o enquadramento
do PDSFP com a realidade nacional é de longe superior ao da ENF. Regredimos,
portanto. E quanto?
Enfim, académicos, técnicos, dirigentes e decisores
políticos vão-se ocupando a produzir rolos de papel, com muita sapiência
contida neles, não discuto. Creio contudo que, em termos práticos, tais rolos
jamais atingirão cotações em mercado comparáveis com outros de gama média de uma
marca nacional de renome internacional neste tipo de produtos. Um desperdício
total, se saber, de recursos, de verbas.