sábado, 14 de dezembro de 2013

A redescoberta das ZIF, dois anos e meio passados

Depois de uns passeios pelo voluntarismo e após a insistência no protecionismo costumeiro, assumindo fraturas, a ministra Assunção Cristas redescobriu as Zonas de Intervenção Florestal (ZIF).

Isto acontece após dois anos e meio de mandato. Pretende agora a ministra dar operacionalidade ao que está previsto desde meados de 2011 no programa do Governo? Bom, mais vale tarde do que nunca, dirão alguns.

A ministra assume agora publicamente a aposta neste modelo de gestão da floresta cultivada privada. Aposta até num reforço das competências das entidades gestoras das ZIF. Fazendo bem feito, nada contra, muito pelo contrário, como aliás tenho defendido nestes dois anos e meio de ZIFamnésia ministerial.

Fazer bem feito entenda-se, produzir alterações que não venham a causar um acréscimo de recurso aos tribunais, para a resolução de conflitos de propriedade.

Mas, vamos ao essencial.

Como pretende a ministra que o modelo das ZIF seja financiado?

- Terá na base modelos de negócios rentáveis, suportados na produção de bens e na prestação de serviços decorrentes de relações vantajosas para as partes intervenientes, incluindo os contribuintes? Atuará sobre os mercados em concorrência imperfeita, acompanhando-os? Apostará no reforço do apoio técnico à produção e na ligação desta com a investigação? Imporá garantias para a sustentabilidade dos recursos naturais e o bem estar das populações rurais?

Ou,

- Terá por base o tradicional recurso aos contribuintes, que generosamente e sem retorno económico têm pago parte significativa das florestações e da gestão das florestas no último quarto de século, bem como assumido os prejuízos decorrentes dos incêndios florestais? Ou seja, continuará a apostar no status quo de favorecimento de interesses financeiros de certas empresas da praça?

Esta última opção tem produzido os resultados conhecidos.



Por último, a ministra deveria ter vergonha, não é por insistir na mentira que ela se torna verdade. O setor florestal não representa hoje 3% do Produto Interno Bruto (PIB), isso ocorreu no ano 2000, de lá para cá esse valor percentual decresceu cerca de 40% (sendo que o próprio PIB também contraiu). Mais do que a insistência no número 3, será preciso um esforço maior, senhora ministra, para reverter este declínio e a senhora já perdeu dois anos e meio.

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

O cúmulo da hipocrisia

Confesso ficar na expetativa de alguma diversão (para ultrapassar a tristeza), de cada vez que leio notícias de dirigentes do Ministério da Agricultura sobre florestas.

A entrevista do secretário de Estado das Florestas e do Desenvolvimento Rural ao Jornal de Negócios, no passado dia 21 de novembro, não fugiu a essa expetativa.

Com efeito, o secretário de Estado vem agora conferir à política partidária a incapacidade histórica do poder executivo em concretizar medidas definidas em amplo consenso político partidário. Bravo. Presencia-se assim uma descarada transferência de responsabilidades. Convém recordar, ao secretário de Estado, o histórico de consensos que, no domínio do Parlamento, se têm concretizado neste domínio. Deixo, com toda a propriedade, essa tarefa aos responsáveis político-partidários. Lembro contudo que, foi o ministro Gomes da Silva um dos obreiros do mais amplo consenso político-partidário dos últimos 17 anos. Refiro à iniciativa que culminou na aprovação por unanimidade, no Parlamento, da Lei de Bases do Política Florestal. A tal Lei que posteriores órgãos do poder executivo têm mantido em banho-maria no que respeita à respetiva regulamentação (já lá vão 17 anos, 2 e meio dos quais do atual governo).

Mas, afinal o que tem o atual secretário de Estado para oferecer ao acordo que anseia? Uma prioridade estratégica no fomento das espécies de rápido crescimento, um dos mais fraturantes dos últimos 25 anos? Uma Estratégia Nacional para a Floresta inconsistente, quer no plano político, quer no plano estratégico, quer no plano estrutural, quer no financeiro? Terá por base a tal aposta voluntarista, uma árvore por cada Português, como anunciado pela ministra no final de 2011? O que tem afinal o secretário de Estado, que não seja hoje fraturante, para suscitar o acordo de longo prazo? Porventura, será esta iniciativa do secretário de Estado uma consequência da acusação do CEO da Portucel, anunciada através da Agência Lusa, a 20 de novembro de 2012? 



Assim, talvez já seja entendível esta opção repentina.

Mas, diz mais o secretário de Estado. Parece querer insistir nas medidas fiscais com caráter repressivo, mas omite questões de mercado como fatores de risco ao investimento florestal. Mas, talvez faça sentido esta aposta, bem como a ameaça de tomada de posse da propriedade privada, talvez assim consiga eliminar outro “inimigo” da floresta em Portugal, ou seja, grande parte dos proprietários privados familiares e das áreas comunitárias (baldios).

De facto, a propriedade não é só um direito, é também um dever. Acrescenta-se, no mesmo contexto, que ao Estado não estão apenas conferidos direitos, estão também acoplados deveres. Por exemplo, no acompanhamento dos mercados de produtos silvo-industriais, reconhecido que é o funcionamento dos mesmos em concorrência imperfeita. Ainda como exemplo, na garantia (por si, ou através de terceiros) de uma adequada assistência técnica à silvicultura, na sua ligação à investigação aplicada. Neste último caso, em impulsionar programas de IED adequados às necessidades da produção de bens e também da prestação de serviços nos espaços florestais. Embora, esta sim, não sendo uma medida de política florestal, mas de ordenamento do território, o secretário de Estado esquece o dever do Estado na conclusão do cadastro rústico (agora prometido para iniciar em 2014).

Depois, num ato de ilusionismo político, o secretário de Estado confere ao DL 96/2013 (decreto das arborizações e rearborizações) um caráter não de medida de política florestal, mas de desburocratização do Estado. Curiosamente, este diploma fraturante revoga legislação apresentada no final dos anos 80 como integrante de um “Pacote Florestal”. Neste mesmo contexto, pode-se legitimar assim a dúvida se a Secretaria de Estado das Florestas e do Desenvolvimento Rural não se terá convertido na Secretária de Estado da Desburocratização do Estado. Isto assumindo que se trata efetivamente de desburocratização e não de libertinagem (o termo liberalização não parece adequado ao caso).

Não será demais referir, ainda sobre este diploma, a indissociabilidade da aparição da proposta inicial a discussão pública com um promissor anúncio, desta vez no Jornal I, da responsabilidade da administração da Portucel.


De facto, a entrevista superou mesmos as expectativas iniciais.


NOTAS:
- Artigo publicado no Agroportal:
http://www.agroportal.pt/a/2013/pcastro9.htm
- Entrevista em referência disponível em:
http://www.ulisboa.pt/wp-content/uploads/Governo-quer-acordo-com-PS-para-a-floresta.pdf