quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

O que trás a público João M.A. Soares?

Num recente artigo de opinião, publicado num diário do grupo Cofina, João M.A. Soares vem a público apresentar argumentos contra a “grande reforma da floresta” do ministro Capoulas Santos.

O que fica visível no artigo?

Por um lado, a necessidade que a indústria papeleira teve, tem e continuará a ter da capacidade argumentativa e da empatia de João M.A. Soares. Disso parece que não restam dúvidas. Aliás, quando trazem a público outros porta-vozes, facilmente se vislumbra essa necessidade.

Por outro, a incapacidade do ministro Capoulas Santos em gerar consenso na área florestal. De facto, não é fácil agradar, mais ainda nos dias de hoje, simultaneamente, a “gregos” e a “troianos”. Importa esclarecer que, no artigo em questão, nos dois pontos aludidos, movem-nos posições diametralmente opostas.

Todavia, estes são aspetos acessórios!

No essencial, o que ressalta do artigo, a par de um outro de Francisco Gomes da Silva, é a defesa da continuidade da expansão no país de uma oferta de risco. De uma expansão em quantidade da área de plantações de eucalipto (que, reconheceu João M.A. Soares, em 2006, ser a 5.ª maior a nível mundial), sem garantias evidentes de acréscimo de qualidade e com riscos crescentes, seja a nível ambiental, social e económico. Aliás, importa ter em conta que a aprovação deste tipo de investimentos, pelo ICNF, é desprovida de uma análise financeira e de uma análise de risco, entre outras.

Na base destas intervenções públicas, não nos tentem “embebedar”, está apenas o intuito de garantir a perpetuação de preços baixos da rolaria à indústria papeleira, numa estratégia que, a par de manter lesada a oferta. envolve também a intervenção em perda dos contribuintes, do Território e das futuras gerações.

Se o argumento é o peso nas exportações, no seu valor bruto, fica o desafio à indústria papeleira de expressar em público qual o valor líquido que atribui às mesmas. Ou seja, qual o valor real deste subsector na economia depois de deduzidos os encargos, entre outros, com as importações de material lenhoso para a produção de pasta e papel, com os incêndios que afetam, de forma cada vez mais expressiva, as plantações da espécie exótica associada à sua atividade, sejam os custos imediatos, sejam os subsequentes, ainda com a carga poluente associada às unidades fabris desta indústria, seja nas emissões para a atmosfera, seja nas emissões para o meio aquático (a situação no Tejo é atroz, a presença destas unidades no ranking nacional a este respeito é elucidativo), ou com a dedução dos muitos milhões de euros, em apoios diretos e indiretos, que grupos empresariais deste sector auferem anualmente a partir do Orçamento do Estado.

 

domingo, 12 de fevereiro de 2017

As exportações de pasta e papel: qual o seu valor líquido?

Somos sistematicamente “informados”, nos discursos políticos, empresariais e na Imprensa “económica”, da importância do sector papeleiro no valor (bruto) das exportações nacionais. Mas, e se esse valor bruto for convertido em valor líquido?. Ou seja, se ao valor bruto dos anúncios mediáticos forem deduzidos os encargos com:


  • as importações de matéria prima (no caso das lenhosas, maioritariamente para controlo dos preços à produção nacional?
  • as avultadas consequências sociais, ambientais e económicas decorrentes da propagação dos incêndios, com forte peso nas plantações de eucalipto, e da proliferação, sem controlo, de pragas e de doenças a estes associadas, bem como com a "importação" de agentes bióticos exóticos para as combater (consequência da imposição de preços à oferta, com efeito na má gestão das plantações de eucalipto em Portugal)?
  • a depreciação da paisagem, da biodiversidade, dos solos e dos recursos hídricos (nomeadamente, os decorrentes dos impactos associados aos incêndios e ao seu crescente peso no eucaliptal)?
  • a contração do rendimento da silvicultura, do peso da atividade florestal na economia e, sobretudo, do peso da indústria florestal no PIB, bem como da forte contração do emprego no sector (fruto da opção pela aposta politica no protecionismo a esta indústria)?
  • o elevado risco social decorrente da expansão exponencial de uma oferta de elevado risco associado à presença do eucaliptal, em especial junto de populações rurais com menores meios de proteção?
  • a carga poluente associada às emissões atmosféricas e para o meio aquático decorrentes da atividade fabril de produção de pasta celulósica em Portugal, com lugar de destaque na lista da Agência Europeia de Ambiente e na Imprensa e blogosfera nacionais?
  •  as centenas de milhões de euros em benefícios fiscais e em apoios financeiros diretos e indiretos do Orçamento do Estado, mesmo que decorrentes da contraparte de subsídios comunitários, à indústria papeleira? Só em dois meses, os anúncios de apoios públicos a esta indústria aproximam-se já da meia centena de milhões de euros.


quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

Nas florestas não se vislumbra reforma, será que a “reforma” do governo deve ser lida nas entrelinhas?

Logo à partida, merece destaque um événement parallele anunciado pelo Primeiro Ministro, o estabelecimento de uma parceria público privado de sustentação, pelo Orçamento, de um negócio privado estabelecido entre uma oferta em perda e uma procura protegida pelo regime.

Com efeito, a intervenção pública, anunciada em 18 milhões de euros para a fileira papeleira, parece decorrer de uma necessidade dos contribuintes terem se socorrer os grupos industrias deste sector. Isto face a uma posição prepotente destes últimos e, perante isso, do sinal de desprezo demonstrado pela oferta. Não parece haver outra justificação, face ao protegido duopólio industrial, para a resposta ao tipo de gestão das plantações de eucalipto em Portugal, onde se evidenciam extensas áreas em que o coberto, a densidade e a idade dessas plantações não condizem com uma gestão ativa, profissional e sustentável. Sinal dessa gestão de risco é a incidência dos incêndios sobre tais plantações que, em 2017, atingiram uma fasquia na ordem dos 70% do total de áreas ardidas em povoamentos florestais (considerando aqui que as plantações com esta espécie exótica invasora se enquadram no conceito de povoamento florestal, nem todos as reconhecem assim).


Na “reforma” propriamente dita e nos anúncios públicos do ministro da Agricultura, tudo parece apontar para aposta em negócios bio: de bioenergia e de biocombustíveis.

Será que a “reforma”, nas entrelinhas, se traduzirá em mais negócios fabris “justificados” na utilização de resíduos de biomassa florestal residual? Esta é já uma velha “luta”, mas os resultados têm sido desastrosos.

No caso da bioenergia, como serão ajustados tais negócios com os custos de concentração, extração e transporte de resíduos de biomassa florestal residual? Decorrerão de mais um apelo aos contribuintes, ou serão os consumidores a sofrer um agravamento dos custos de energia? Importa esclarecer!

Quer na aposta em bioenergia, quer em biocombustíveis, esta última outra história antiga e de resultados pífios, quais os modelos de exploração a adotar em tais negócios que garantam um não agravamento da delapidação dos solos, bem como de não agravamento ou mesmo de combate à desflorestação?

Até hoje, a justificação de valorização de resíduos de biomassa florestal residual tem-se traduzido numa gestão de muito duvidosa sustentabilidade dos espaços florestais.

Servirão tais negócios para continuar a “erradicar” áreas de produção de lenho, sobretudo de pinhal? É que não se vislumbram investimentos de melhoria da gestão ou de reflorestação das áreas abrangidas pela valorização de resíduos de biomassa florestal residual, nem da parte da oferta, muito menos da procura por tal “matéria prima”.

O negócio dos biocombustíveis, de acordo com o histórico em Portugal, não constituirá mais um negócio de mera captação de fundos públicos para estudos e projetos piloto? Existem estudos de viabilidade técnica (sobretudo na componente florestal) e financeira que possam ser tornados públicos? Basear um negócio neste domínio na justificação de valorização de resíduos de biomassa florestal residual é muito curto, demasiado curto. Não haverá troncos à mistura nas necessidades de abastecimento fabril?

Para já, esta aposta bio suscita, isso sim, elevados e justificados receios de agravamento da desflorestação em Portugal. Esta situação de desflorestação, caso único na União Europeia, para além de nos dever envergonhar, deveria sobretudo gerar uma elevada preocupação face às graves perspetivas de incidência das alterações climáticas no país. Neste domínio, tudo indica que vamos precisar de mais árvores, de mais e melhores florestas, não de desflorestação.