segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

Bombeiros em Portugal: de voluntários a privados?


No decurso dos catastróficos incêndios na Califórnia surgiram notícias dando conta da intervenção de corpos privados de bombeiros, ligados ao sector financeiro, concretamente a seguradoras. De acordo com as notícias, magnatas contrataram tais corpos para salvaguardar os seus bens. Colateralmente, alguns vizinhos beneficiaram desta intervenção. Os demais, menos abastados, viram as suas residências servirem de pasto para as chamas.

Há uns dias, num canal de televisão, o arquitecto paisagista e candidato a piro-especialista florestal Henrique Pereira dos Santos dava conta que a Liga dos Bombeiros Portugueses representa os “patrões” dos bombeiros, não os bombeiros. Nada de novo. Com efeito, os bombeiros voluntários actuam em ligação a associações humanitárias, os “patrões”, constituídas por associados voluntários que elegem, entre os seus, corpos dirigentes, também estes voluntários. Não sei se o que incomoda o arquitecto paisagista e candidato a piro-especialista florestal é o facto de bombeiros voluntários, dirigentes voluntários e, eventualmente, associados voluntários terem participado, recentemente, no Terreiro do Paço, em Lisboa, numa manifestação às portas do Ministério da Administração Interna. Será voluntariado a mais? Tanto quanto é do domínio público, ninguém lá esteve involuntariamente. Mas, o acto não foi exclusivo do voluntariado, dos dirigentes voluntários e dos bombeiros voluntários. Dias depois, na mesma praça, junto ao mesmo Ministério, teve lugar uma outra manifestação, desta vez dos bombeiros profissionais (públicos).

Argumentou ainda o arquitecto paisagista e candidato a piro-especialista florestal que “o que está em causa é poder e dinheiro, não o socorro às populações”. Bom, o que nos dizem mover o mundo é o poder e o dinheiro. Até aqui nada de novo. Quanto ao socorro às populações, da parte dos bombeiros, especificamente dos corpos de bombeiros voluntários, não tenho razões de queixa. Pelas demonstrações da população, na sequência de situações de catástrofe, tudo indica que os bombeiros são merecedores do seu agradecimento. Já quanto à Protecção Civil, a situação é algo distinta. Atrevo-me a dizer, significativamente distinta. Cada vez menos fiável.

De facto, a recente manifestação da Liga parece estar relacionada com uma “reforma” governamental da Protecção Civil. Todas as reformas “mexem” com poder e dinheiro. Há por isso que ter presente que a dita “reforma” tem por trás uma estrutura de missão. Essa estrutura é coordenada, por nomeação pelo Primeiro-Ministro, por quem já teve ligação a corpos de bombeiros privados, através de um agrupamento complementar de empresas de celulose, bem como desempenhou papel relevante na negociação de apólices de seguro para fazer face a eventuais situações de sinistro, por incêndio rural, em plantações industriais de eucalipto.

No que diz respeito a poder e dinheiro, ao socorro às populações, tudo leva a crer que em Portugal dispensamos bem os exemplos vindo do outro lado do Atlântico. Dispensamos ainda mais parcerias público-privadas, designadamente para poder salvaguardar os nossos bens através de corpos de bombeiros privados, vinculados a empresas, seja estas ou não do sector financeiro. A justificação de que o Estado não tem dinheiro para dispor de mais corpos de bombeiros profissionais públicos, também alegado pelo arquitecto paisagista e candidato a piro-especialista florestal, pode dar azo a derivas privadas.

O poder e dinheiro tem muito que se lhe diga.