quarta-feira, 28 de maio de 2014

Quanto vale um documento estratégico para as florestas em Portugal?

A auscultação em curso da atualização da Estratégia Nacional para as Florestas /ENF), iniciativa do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), a decorrer até ao próximo dia 30, levou-me a revisitar momentos de uma comédia com resultados trágicos.

A ENF, inicialmente aprovada em Resolução do Conselho de Ministros a 15 de setembro de 2006, parece ter resultado do esforço académico e de técnicos altamente qualificados, que com toda a certeza deram o seu melhor, consumiram largas horas de trabalho árduo e empenhado, todavia totalmente desenraizado da realidade florestal nacional.

Nem mesmo a oportunidade de o revisitar, criado sob os auspícios da ministra Assunção Cristas, dita mais próxima da Lavoura e dos Contribuintes, conseguiu corrigir este fatal erro de enquadramento, pelo contrário. Aos priorizados agentes, os abióticos e os bióticos, e às mitigações, juntou-se a resiliência e outros palavrões.

Ao aproximar-me dos objetivos enunciados, mais em concreto dos indicadores de resultados e das metas, pensei ter aterrado no País da Alice. Quando segui linha para a definição das responsabilidades, entendi: uff, isto não é para levar a sério. A maior parte das responsabilidades são atribuídas a entidades tuteladas pelo Ministério da Agricultura (uma mistura explosiva de ICN+F e GPP, puro TNT de ineficácia).

Nesta minha análise, parto do princípio de que estamos perante uma Estratégia definida para um país com 98% das suas superfícies florestais sob regime não público. Onde a esmagadora maioria dessas superfícies são detidas por centenas de milhares de famílias, que pressuponho, devem enquadrar uma parcela determinante do público alvo desta iniciativa legislativa, ou não? Porventura, estarei errado.

Na componente cómica, vi-me numa sessão de esclarecimento sobre a ENF em, Curral de Moinas. Sala cheia de agricultores e proprietários florestais, todos a querer saber quanto vão render os “calitres” que os homens das celuloses lhes disseram que eram coisa rentável. Todavia, a minha missão seria divulgar a Estratégia, ou trocando em miúdos, vulgarizar os agentes, as mitigações e a resiliência. Bom, o resultado parece-me o óbvio, diriam: “o homem de Lisboa está tolinho, internai-o logo antes que se pegue”.

Na componente trágica, este tipo de documento, como o seu antecessor Plano de Desenvolvimento Sustentável da Floresta Portuguesa (PDSFP), também aprovado por Resolução de Conselho de Ministro, em novembro de 1998, só nos engana. Não serve para nada, não contem a desflorestação, a perda de peso económico das florestas, a perda de vitalidade dos ecossistemas nacionais, não gera riqueza, muito menos segurança às populações rurais.

Diga-se contudo e a bem da verdade, que o enquadramento do PDSFP com a realidade nacional é de longe superior ao da ENF. Regredimos, portanto. E quanto?

Enfim, académicos, técnicos, dirigentes e decisores políticos vão-se ocupando a produzir rolos de papel, com muita sapiência contida neles, não discuto. Creio contudo que, em termos práticos, tais rolos jamais atingirão cotações em mercado comparáveis com outros de gama média de uma marca nacional de renome internacional neste tipo de produtos. Um desperdício total, se saber, de recursos, de verbas.