sábado, 14 de setembro de 2013

Os incêndios florestais e a hipocrisia política.

Analisemos os problemas associados às florestas em Portugal, entre os quais os incêndios, mas sob um outro prisma. Não aquele que consta nos discursos mais ou menos oficiais, que imputam os problemas aos proprietários florestais.

Em qualquer país desenvolvido, emergente ou em desenvolvimento, onde os índices de responsabilidade social são maiores do que em Portugal, a taxa de autoabastecimento das indústrias que se abastecem nos espaços florestais é muito superior aos casos conhecidos por cá.

Por vontade própria ou por imposição legal, uma entidade industrial, independentemente do seu porte, deve garantir por si só um nível mínimo de autossustento do seu negócio. Em Portugal essa participação na área de maior risco é nula ou miseravelmente insuficiente. Ou seja, em Portugal o risco é, integral ou quase integralmente, atirado para as centenas de milhares de famílias que possuem pequenas e médias superfícies florestais.

Ao contrário do que acontecia com as quase extintas pequenas e médias empresas da indústria florestal, as grandes empresas não têm ou reduziram substancialmente os seus compromissos para com as florestas. As PME sediavam-se principalmente nos meios rurais, na proximidade dos locais de abastecimento, ao contrário do que acontece com as grandes empresas. Estas últimas exibem os seus pergaminhos de grandes exportadores e os awards com que são premiados no exterior, mas assentam a sua atividade em meras estratégias extrativistas.

Os grupos empresariais que dominam os setores industriais dos aglomerados, da transformação da cortiça e da produção de pellets energéticas , não têm vínculo à floresta. Não possuem capacidade de autoabastecimento, eximem-se de participar na área de maior risco do seu próprio negócio. Isto ocorre por vontade própria e na ausência de regulamentação dos mercado (não imposta pelo poder político que aparentam dominar).

No setor industrial da pasta celulósica e do papel, ao contrário do que aconteceu no passado, quanto maior é a concentração industrial (permitida e incentivada pelo poder político), menor tem vindo a ser a sua responsabilidade no risco do negócio. Em apenas 7 anos esta indústria reduziu as áreas próprias de eucalipto em mais de 33 mil hectares. A estratégia do negócio passou a centrar-se, como nos casos anteriores, numa intervenção da porta da fábrica para dentro.

Serão todos estes negócios industriais sustentáveis?

Garantem estes negócios uma estratégia de desenvolvimento sustentável do país?

De que servem ao país, a médio e longo prazo, os awards que gostam de exibir?

Importa ter presente que estes grupos empresarias dominam os mercados de produtos florestais (madeira e cortiça), impondo unilateralmente os preços à produção, imposição essa de que é cúmplice o poder político.

Ora, o domínio do negócio silvo-industrial por oligarquias, permitido pelo poder político, tem levado a produção silvícola a uma situação de declínio progressivo, colocando em causa o sustento de centenas de milhares de famílias, que se veêm na contingência de migra para o litoral ou mesmo de emigrar, bem como agravam a cada ano a própria sustentabilidade dos ecossistemas florestais portugueses.

A ausência de perspetivas de negócio na floresta tem levado ao abandono da gestão.

O abandono da gestão aumenta significativamente o risco associado á propagação dos incêndios florestais.

O êxodo rural que o poder político não consegue conter (mesmo depois de milhares de milhões de Euros consumidos em rede viária), tem por consequência também o abandono da gestão dos espaços rurais.

Sem a presença das famílias nos meios rurais o risco de propagação dos incêndio em florestas e matos aumenta significativamente.

Fonte: INE, Census 2011.

A tudo isto, o poder político só tem uma resposta: coagir ainda mais as famílias (o elo mais fraco), através da produção de legislação avulsa. Curiosamente, essa produção legislativa pós-estival nunca é dirigida aos interesses financeiros instalados.

No que respeita a estratégias para o Desenvolvimento Rural, face até aos miseráveis indicadores demográficos que o país evidencia (vejam-se os resultados do Census 2011, publicados pelo INE), a resposta política tem sido nula ou desajustada.

No final de tudo, quem paga as contas são os contribuintes.

São os contribuintes que suportam as ações de (re)florestação através dos subsídios públicos, não para enriquecer o país, mas para alimentar a indústria e mais incêndios futuros.

São os contribuintes que assumem os riscos dos negócios silvo-industriais sem vínculo às florestas, suportando no final as indemnizações e os demais custos económicos, sociais e ambientais decorrentes das catástrofes provocadas pelos incêndios florestais.