terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Portugal pelo eucalipto: como nos atiraram areia para os olhos

Num recente artigo de opinião, intitulado “Diploma acusado deeucaliptizar... que grande confusão” e publicado no Diário de Notícias (03.02.2014), o Eng. Vítor Louro mostrou estar à altura para substituir o secretário de Estado das Florestas nas ausências deste no exterior. O discurso, se não foi concertado entre ambos, apresenta uma semelhança de um quase decalque.

Mas, vamos ao essencial.

De início, pretendeu-se descentrar os comentários negativos sobre o novo regime jurídico das ações de florestação e reflorestação com eucalipto, conforme o disposto no Decreto-Lei n.º 96/2013, de 19 de Julho. Argumentam os críticos da Plataforma pela Floresta que este diploma não abarca muitos dos pontos apontados pelas considerações que lhe são movidas. Ou seja, é um mero diploma de fomento florestal que não tem por função englobar outras questões que lhe são apontadas.

Bom, importa ter em conta que as críticas ao DL 96/2013 se centram essencialmente numa abordagem política, não técnica.

Ora, no plano político, a aposta no fomento florestal, em novos investimentos, sem um enquadramento num todo de ciclo florestal, tem suscitado péssimos resultados nas últimas décadas. Logo, uma aposta política no fomento florestal sem enquadrar os problemas da gestão florestal e da concorrência imperfeita nos mercados, que a condiciona, torna esta iniciativa do governo num ato avulso, extemporâneo, mesmo irresponsável se atendermos aos potenciais impactes ao nível dos incêndios florestais. O mesmo pode ainda ser classificado como opaco, já que surge sob condicionamento público manifestado por um grupo económico concreto, e até de unidirecional, já que a este se dirige.

Portanto, mais do que numa abordagem técnica, o DL 96/2013 tem de ser centrado numa abordagem política, leia-se de política florestal, de política de ordenamento do território, de política de desenvolvimento rural, de política de concorrência, de política económica, do conceito de sustentabilidade e dos princípios de responsabilidade social e ambiental.

O DL 96/2013 protagoniza um verdadeiro ato fraturante no seio do setor florestal português.

Segue-se a justificativa da desburocratização. Vamos lá.

Importa, em primeiro lugar, não confundir desburocratização com simplicismo ou a proteção de negócios fora das salutares regras de funcionamento dos mercados.

Se por um lado o DL 96/2013 vem simplificar as regras de investimento florestal pelo recurso ao eucalipto, por outro vem impor regras às demais espécies florestais, coisa que antes não ocorrida.

Afinal, desburocratiza ou burocratiza?

Depende do ponto de vista:

- Para a fileira da pasta celulósica e do papel, desburocratiza.

- Para as demais fileiras florestais nacionais, vem burocratizar.

Por outro lado, se o governo vê condições para suportar esta cultura, a do eucalipto, porquê centrá-la exclusivamente num único produto, a produção de rolaria para pasta celulósica? Porque não aposta noutras utilizações para a madeira do eucalipto? Porque não fomenta, por exemplo, a produção de madeira de eucalipto para serração, para a produção de mobiliário, produtos de maior valor acrescentado para a economia nacional. Porque não aposta na cultura do eucalipto, inclusive com apoios diretos da PAC, para a produção de biomassa para fins energéticos, com a consequente redução nas importações de combustíveis fósseis e, consequentemente, na redução da nossa dependência energética? Bom, talvez esta iniciativa governamental vise um agente em concreto.


Segue-se o argumento da "selva legislativa".

O DL 96/2013 não se vem inserir numa área antes desregulamentada. Assim, tudo leva a crer que o conceito de "selva legislativa" não se refira à ausência de regulamentação anterior a este diploma.

Será por existir regulamentação a mais, segundo alguns agentes económicos? Bom, no caso talvez se entenda o conceito e a similitude entre desburocratizar e simplificar o negócio dalguns.

Será pela incapacidade política em fazer cumprir legislação nacional, a que já regulamentava os investimentos com recurso a espécies de rápido crescimento? Se for esta a ideia subjacente à dita "selva legislativa", a da caducidade de diplomas legais por incumprimento generalizado, o que nos garante que o DL 96/2013 não terá o mesmo destino? Houve reforço das estruturas de fiscalização? Não creio, muito pelo contrário. Assim, o alegado “dano marginal” facilmente se converterá em dano generalizado.

Por último, a questão dos subscritores.

É falso que a Plataforma pela Floresta não tenha organizações de produtores nas “suas fileiras”. Elas estão lá e bem visíveis, goste-se ou não destas em particular. Todavia, a menção às organizações de produtores florestais suscita outros comentários. Analisemo-las, por exemplo, do ponto de vista da origem dos respetivos recursos financeiros. Têm estas organizações por suporte principal as quotizações pagas pelos seus associados ou a prestação a estes de serviços no âmbito dos mercados. Serviços esses que tenham tido impacto no aumento do rendimento empresarial líquido dos produtores florestais?

Curiosamente, entre os subscritores da Plataforma pela Floresta está inclusive uma das organizações industriais que representa uma das fileiras que mais contribui para a economia, para as exportações e para o emprego no sector florestal.

Mas vamos às outras, as que aparentemente não se inscrevem entre as “organizações sectoriais”. Alguém acredita que o negócio florestal se restringe a produtores e industriais? Erro crasso. Infelizmente, toda a Sociedade Portuguesa, representada nas mais variadas organizações cívicas, é chamada a intervir nos encargos económicos, ambientais e sociais decorrentes de uma política florestal definida à medida. Têm por isso as demais organizações toda a legitimidade de abordar assuntos de natureza florestal, as temáticas florestas não são restritas a “clubes”. 

Finalizemos no acessório.

Admito que alguém tenha gentilmente convidado o Eng. Vítor Louro a subscrever a Plataforma pela Floresta. Entre 35 membros, todo é possível. Refiro contudo, na qualidade de representante de um dos subscritores, que essa adesão não seria consensual.