quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Das “condições”

Sobre uma recente análise desenvolvida pelo Banco de Portugal às empresas dos setores da madeira, da cortiça e do papel, o presidente da Associação para a Competitividade da Indústria da Fileira Florestal (AIFF) terá justificado os resultados obtidos com “a grande capacidade empresarial e de inovação que existe no setor”. Ainda segundo declarações públicas de João Ferreira do Amaral, existem “condições para manter e até desenvolver estas capacidades”. Todavia, advert que o “ponto essencial é que a produção florestal consiga ter as condições para corresponder com mais e melhor madeira e mais e melhor cortiça.”

Lá está, as “condições”! Lógico, mas dadas por quem?

Aqui é que surgem as divergências. Serão tais “condições” obtidas a partir da formação de preços entre a oferta (a produção florestal) e a procura (a indústria), em mercados a funcionar numa salutar concorrência, ou através do recurso a fundos públicos, num contínuo apelo à Sociedade para compensar quem tem “vivido acima das suas possibilidades”?

Uma coisa é hoje certa, tentar obter compensações nos cidadãos, para manter em funcionamento mercados em consciência imperfeita, tem fomentado uma outra indústria, a do fogo. Serão estas as “condições” a que alude João Ferreira do Amaral?

Importa informar o presidente da AIFF que, apesar de mais de mil milhões de euros de apoios públicos nacionais e comunitários atribuídos desde 1990, o País tem, desde esse ano e até 2015, uma perda média anual de área florestal superior a 10 mil hectares. Portugal é hoje o país que mais área florestal perde na Europa.

Estão anunciados mais 540 milhões de euros de apoio público até 2020 para as florestas. Serão também para arder?

Em todo o caso, talvez uma estratégia de subsidiodependência não seja o caminho mais apropriado. Ou seja, talvez a produção prefira obter as tais “condições” através da “cana de pesca” e não do “peixe”. Para a Sociedade, também parece que o caminho da “cana de pesca”, do rendimento silvícola, de mercados transparentes, de salutar concorrência entre a oferta e a procura é o caminho que lhe é mais vantajosa, até pelo impacto extremamente negativo que a falta desse rendimento lhe aporta, os incêndios florestais. Isto independentemente da própria Sociedade vir a pagar pelos serviços que a floresta privada portuguesa (98,4% do total) lhe presta, mas não como compensação pela produção de bens de remuneração imposta pela procura (com a necessária complacência das governações).

Mas, se os apoios públicos podem representar as tais “condições” no setor da madeira e da cortiça, o setor do papel, para ser sustentável, carece de outras “condições”.
  • O facto é que o mercado da rolaria de eucalipto funciona em concorrência imperfeita.
  • Factos são as recorrentes ameaças públicas de necessidade de mais eucaliptal, quando o país já dispõe da quarta maior área de plantações de eucalipto do mundo.
  • Quando a indústria papeleira se desfaz de mais de 30 mil hectares de áreas próprias nos últimos 10 anos, supostamente bem geridas (afirmam vários comentadores políticos), transferindo o risco para terceiros a quem impõe unilateralmente preços.
  • O facto é que o eucaliptal é hoje o maior foco de riscoc de incêndios em povoamentos florestais, com cerca de 50% do total de incêndios em povoamentos florestais.

(Fonte: ICNF, 2013)

  • Quando as governações, num registo de alegada subserviência, têm promovido o aumento de uma oferta de risco (com suspeita de violação à Lei de Bases da Política Florestal), preferencialmente em regiões de minifúndio, onde a histórica inexistência de capacidade reivindicativa dos proprietários serve como garantia de uma manutenção de preços baixos à procura. 


Nem vale a pena aludir aos impactos sobre o Ambiente e sobre o Território de uma verdadeira “campanha do eucalipto”. Talvez a regulação de mercados dominados por oligopólios represente uma prioridade nas tais “condições”.


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